quinta-feira, 31 de outubro de 2019
Procura-se
A última vez que o senti contraía-se e relaxava num ritmo aproximado de 100 batidas por segundo, bombeando cerca de 5 litros de sangue por minuto.
Pesa cerca de 300 gramas, e deixei de o sentir há algum tempo, em Lisboa, quando mais parecia pesar uma tonelada.
Oferecem-se alvíssaras a quem o encontrar.
(Tania)
terça-feira, 29 de outubro de 2019
desfocar-te com os dedos a escrever linhas rectas
[a direcção dos sonhos que se adivinham]
à mão afigura-se o que se pretende.
sobre a textura da pele
[agarram-se futuros]
acende-se o lume do mundo que se propaga,
medem-se os sentimentos
palmo
a
palmo
quando o silêncio não é mais do que a pausa da tua respiração
não é mais do que a palavra-verbo-amar
poema raiz entre os meus e os teus olhos
domingo, 27 de outubro de 2019
Mais do que isto, sim
Mais do que isto, podemos ficar caladas.
Com um olhar parado
como aquele dos mortos.
Podemos fixar durante longas horas
o fumo a sair de um cigarro
a forma de uma chávena
a flor esbatida no tapete
o slogan a desaparecer na parede.
Podemos afastar as cortinas
com dedos enrugados e ver
a chuva cair fortemente no beco
uma criança parada na porta
com um colorido papagaio de papel
uma carripana a sair da praça vazia
numa pressa barulhenta.
Podemos estar ali paradas
Ao pé das cortina – cegas, surdas
Podemos gritar com uma voz bastante falsa, bastante remota
“eu amo…”
Nos braços dominadores de um homem
podemos ser uma saudável e bonita mulher.
Com um corpo como uma toalha de mesa de cabedal
com dois grandes e duros peitos,
na cama com um bêbedo, um louco, um vadio
podemos manchar a inocência do amor.
Podemos degradar com astúcia
todos os mistérios profundos
podemos continuar a resolver palavras cruzadas
a descobrir alegremente as respostas sem sentido
respostas sem sentido, sim – de cinco ou seis letras.
Com cabeça inclinada, podemos ajoelhar-nos uma vida inteira perante a grade dourada de um túmulo
podemos encontrar deus numa sepultura sem nome
podemos trocar a nossa fé por uma moeda sem valor
podemos apodrecer no canto duma mesquita
como um velho recitador de orações de peregrinos.
Podemos ser constante como o zero
Nas somas, subtracções, ou multiplicações.
Podemos pensar nos teus - mesmo nos teus – olhos
Como buracos sem brilho nuns sapatos velhos.
Podemos secar-nos numa bacia, como água.
Com vergonha podemos esconder a beleza de um momento juntos
no fundo de um baú
como uma velha e estranha foto,
na moldura vazia de um dia podemos mostrar
a imagem duma execução, duma crucificação, ou de um martírio,
podemos tapar as rachas na parede com uma máscara
podemos lidar com imagens mais ocas do que essas.
Podemos ser como bonecas de corda
e olhar para o mundo como olhos de vidro
e jazer durante anos entre rendas e lantejoulas
o corpo recheado de palha
dentro de uma caixa de feltro,
e a cada toque de luxúria
gritar sem nenhuma razão
“Ah, que feliz sou!”
Forugh Farrokhzad
sábado, 26 de outubro de 2019
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
segunda-feira, 14 de outubro de 2019
domingo, 13 de outubro de 2019
"Tinha consulta no ginecologista marcada para essa semana, mas tinham ficado de me avisar o dia e a hora.
De manhã bem cedo, recebo um telefonema da funcionária do consultório informando que a minha consulta tinha passado para esse mesmo dia pela manhã, às 09h30. Tinha acabado de tratar do desjejum do meu marido e crianças e ia no momento começar a despachar-me; eram precisamente 08:45.
Fiquei em pânico, não tinha um minuto a perder.
Tenho a certeza que sou igual a todas as mulheres e que temos todas muito cuidado e uma particular atenção com a nossa higiene pessoal, principalmente quando vamos ao ginecologista mas, desta vez, eu nem sequer tive tempo de tomar um duche. Subi as escadas correndo, tirei o pijama, agarrei uma toalhinha que estava em cima da borda da banheira, desdobrei-a e molhei-a passando-a depois, com todo o cuidado, pelas "partes íntimas" para ter a certeza que ficara o mais limpo possível.
Joguei a toalhinha no saco da roupa suja, vesti-me e "voei" para o consultório.
Estava na sala de espera há alguns minutos quando me chamaram para fazer o exame. Como já sei o procedimento, deitei-me sem ajuda e tentei como sempre faço imaginar-me muito longe dali, num lugar assim como o Caribe, ou em qualquer outro lugar lindo e pelo menos a 10.000 km daquela situação.
Fiquei muito surpreendida quando o meu médico me disse:
- "Oh lá, lá!!! Hoje de manhã fez um esforço suplementar para ficar bonita, e ficou muito bonita!"
Não recebi muito bem o cumprimento, e não respondi. Fui para casa tranquila e o resto do dia desenrolou-se normalmente: Limpei a casa, cozinhei, tive tempo de ler uma revista, etc.
Depois da escola, já acabados os seus deveres, a minha filha, de 6 anos, estava preparada para ir brincar, quando gritou do banheiro:
- "Mamãe! Onde é que está a minha toalhinha?"
Gritei de volta que tirasse uma do armário.
Quando me respondeu, juro que o que me passou pela cabeça, foi desaparecer da face da terra. O comentário do médico martelava na minha cabeça sem descanso e a minha filhinha disse-me só isto:
- "Não mamãe, eu não quero uma toalhinha do armário; quero mesmo aquela que estava dobrada na borda da banheira. Foi nela que eu deixei todas as minhas purpurinas e as estrelinhas prateadas e douradas!"
( estação de rádio canadiana)
Smallest Cat Mr Peebles may look like a kitten, but he is actually 2-year-old. The tiny cat got its size
from a genetic defect that stunts growth. At just 6.1-inch (15.5 cm)
high and 19.2-inch (49 cm) long, he currently holds certification
from The Guinness Book of World
Records as the world’s smallest cat
perpassa-me o sono no peito e no meu corpo, onde poderia começar uma ternura sem fim.
inquietam-me as sombras dos poemas que me fazem sentir, de uma forma quase desordenada, a ânsia de querer ser maré
E a memória é só isto, é só isto - baixar o olhar até que em soluços ele caia quebrado sobre as mãos.
impeço-me de naufragar.
sábado, 12 de outubro de 2019
sabes, há alturas em que o meu peito se comprime. é o meu corpo a reagir à lembrança de te sentir deitado sobre o meu lado esquerdo, de te descobrir para lá das palavras - o meu peito, calibrado de certezas, de que me levarias para tão longe que nunca saberia como regressar.
sabes, respirar por vezes é sufocante. como se violentamente o amor nos arrancasse o ar, nestas esperas reinventadas, onde nascem medos que nos acordam em ferida.
sabes, as palavras que amam são as que rasgam. e tudo o que existe se suspende nesta noite que rompe em silêncios. onde soletro lentamente, com o meu corpo, o teu nome
há mulheres que carregam por de dentro dos olhos os beijos entre beijos, a morrerem no avesso da espuma dos dias.
as mulheres com a ternura a aflorar à boca, em cada sílaba invisível dum poema feito mar e vento
[à margem dos dias, a desaguar no céu inteiro].
as mulheres e o poema. a trocar de pele nos dias que são alimento - aflorar à boca a subtileza das mãos que se tocam, a desprender-se o músculo que separa o tempo.
as mulheres com desertos por dizer...sem saber como silenciar a sofreguidão, nem como respirar a pele
cometesse o amor e é-se punido
declinam-se espaços abandonados com a memória dos medos
[é difícil o respirar]
ficam as lágrimas no côncavo das mãos e o silêncio onde se ama.
[é no coração que a morte habita]
a vida a deixar-me num improviso contínuo
[meio corpo debruçado]
entre os gestos, já parados
sexta-feira, 11 de outubro de 2019
terça-feira, 8 de outubro de 2019
O "Discurso do Papel Higiénico" - FMV(ESMV)/UTL
(do mural da colega Anabela Santos Moreira)
Quem o ouviu/leu relembra-o! quem não o conhece aprende!
E faz o favor de nunca esquecer que os LOCAIS são muito importantes, mas quem os faz são as PESSOAS, por isso Escola Superior ou Faculdade, Gomes Freire, Alto da Ajuda ou onde quer que cada um se encontre são os MOMENTOS que ficam para sempre, e que de vez em quando saltam do "... fundinho do baú..."
Para quem não sabe que "discurso" é este, aqui fica o resumo: depois dos maiores "sustos" da vida, os caloiros estavam em ponto de rebuçado para ouvirem "as boas vindas", escolherem o padrinho/madrinha e "levarem com o osso". Aqui vai:
"CALOIROS
Vós que sois a fina flor do esterco desta Escola, exemplo acabado da descida tenebrosa do ser humano; vós que ireis ser o fruto apodrecido da vilania dos professores e não só...; vós, seres infectos, até agora saprófitas do paganismo propedêutico, mal criadamente educados; vós que sois a prova da falibilidade dos métodos de contracepção; vós que inegaBelmente não merecereis mais do que vegetar no charco imundo, da mediocridade intelectual; vós que devereis mergulhar no excremento do nosso descontentamento; vós que ireis receber porrada e rédea curta, até dizer chega; vós que vos identificais com tudo o supracitado, não relaxeis os vossos esfincteres anais, levados pelo temor que tais afirmações vos possam provocar!!!!
Acabais de entrar na mais prestigiosa, honrada, pura, incomensurável, inegáBel, tranCendente, auto-selectiva, independente, garbosa, viril, acutilante instituição académica que Deus no Mundo criou.
Fostes vós, caloiros, os entre milhares, eleitos para continuar a árdua tarefa de fazer presuntos, tratar piriquitos, enfim... veterinar por esta sociedade de vícios virtuosos e nobres públicos.
Estaides vós aptos para suportar, corajosamente, o peso da frase "in vino veritas"?
Estaides vós hepaticamente preparados para ingerir na nobre tasca da Benta* quantidades apreciáveis do suco de cevada (Sacaromices carlsbergiensis), sem que o vosso tracto genito-urinário o acuse sob a forma de incontidos rebulhões?
Estaides? ESTAIDES? Botai a mão na vossa infecta consciência e respondei-me com a ponderança e a ombridade que não tendes: NÃO ESTAIDES!...
"Alea jacta est! Veni, vidi, vici! Per tutti questum est que nós garbérrimos denominados, braço-fortenssicamente**, veteranos vos vamos educar aturadamente.
Consta a vossa aprendizagem de:
- Sofrer maquinal e matinalmente com o regurgitar de ciências previamente e honestamente digeridas pelos nossos, do peito, mestres.
- Hidratar padrinho (madrinha) com o já atrás referido e, por Deus já apetecido, suco de cevada, até que este se redima de alguma vez ter pretendido tomar-vos sob sua custódia veterana e sapiente.
- Ser apalpados(as) no vosso âmago pela mão calorosa e amiga do(a) vosso(a) padrinho(madrinha), que sem ter qualquer obrigação de vos aturar, já que não vos fez a cabeça, deseja apenas beber convosco da taça socio-culturo-intelectual do néctar baril e do inebriante ambiente noitivago-pneumogastro-entero-recto-genito-hipofisário da noite alfacinha.
- Sofrer com castidade sem levantar a voz, ou outros ruídos interiormente produzidos, o paleio Aliciano***
- Venerar à hora do repasto, o nosso mui nobre DOMINGUS CONDUZNOS****
- Receber todos os conhecimentos matraquilhanos, necessários para não envergonhar a instituição académica nos campeonatos nacionais
Ides em seguida ser apadrinhados (amadrinhados), tomaide pois em consideração o que vos disse para que a vossa escolha seja plena de responsabilidade e símbolo vivo do vosso sim!SIIIIIIIIMMMMMM, porque isto não é uma choldra!
CALOIROS BAILLANDUM EST!
VETERANUS APOSTUM GOZARAM UNT PADRAE IN EXCELSIUS ADORATUM!!!"
E depois todos (incluindo caloiros) juntavam vozes para "PESTE, CARBÚNCULO, MAL RUBRO E URTICÁRIA, NÃO HÁ MALTA MAIS PORREIRA QUE A MALTA DA VETERINÁRIA!!! VETERINÁRIA CILINDRA!!!!!!!!! VETERINÁRIA CILINDRA!!!!!!!!!! VETERINÁRIA CILINDRA!!!!!!!!!"
notas da transcrição, para os "mais recentes":
*Cantina onde a D. Benta reinava
Referência ao Professor cuja cadeira era feita, em muitos casos, muito para lá dos regulares 5 anos
D. Alice da secretaria da AE, que quando engatilhava não parava até o carregador estar vazio
O saudoso Domingos, grande motorista que conhecia todas as boas tasquinhas desde Lisboa a Santarém, Golegã, Évora... sempre pronto a "fazer o jeito" de convencer os profs a fazer um "desviozito" para "aconchegar o estômago e molhar a garganta"
Anabela Santos Moreira
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
é madrugada. devagarinho esperei, meio corpo debruçado sobre a vida inteira, que o poema surgisse. que a distância do meu corpo às horas impossíveis fosse o grito que antecede o fim - ténue.
na pele, reverbera a memória que arde quando penso o tempo, desaprendidos os
[meus]
vazios na tentativa do sonho. os medos devorados pelas veias devastadas no fluxo dos
[teus]
olhos.
esperei, meio corpo debruçado sobre o amanhecer contínuo, a vida que me deixa sempre num improviso - no côncavo das mãos, no sopro ao meu ouvido.
um dia,
[meio corpo]
debruçada sobre o futuro, confundirei pele e água, ritos e acordares contigo nos lábios. olharei a vida, em que me debruço
[meio corpo]
entre os silêncios de gestos parados.
[meio corpo],
debruçada no percurso esperado, vou escrever-te todos os amanheceres, todos os abraços que me deste ao vento, todos os sorrisos atabalhoados de emoções. tudo o que desaprendi no eco da minha garganta - em cada palavra, o teu nome respirar - todos os dias, tantos dias, um dia
[este dia]
vou amar-te sempre e escrever para dentro de ti a anatomia do silêncio.
domingo, 6 de outubro de 2019
estou aqui a ser a tua ausência. pesas-me nos lábios como se nascesses de novo de uma metáfora antiga. as mãos abertas [as tuas, as minhas], para conseguir-te mais dentro do vento a atravessar a pele. é a água que sai do corpo e é um rio, é o teu nome, a memória e as horas no desapertar do abraço. dispo-me de ti numa língua que o meu corpo entende. apago a memória do agora, com as palavras a rasgar até ao osso. és o indicativo do verso que declino por dentro da pele, em fome e sede, no poema que nasce no céu da boca. do peito que fica cheio
[é difícil o respirar]
quando cravo os dedos
[gastos]
, na escrita que irrompe voraz no teu corpo. escrevo a língua dos vocábulos, a sílaba do amor quando o verso cresce em paredes que me derrubam.
para conseguir-te mais dentro - do poema.
"houvesse alguém capaz de recordar a dor. ninguém. é apenas possível recordar-se a sua ocasião e os seus acessórios. bem como os prazeres. nunca te será possível recordar a sua qualidade efectiva. não há uma recriação do momento. isto é para o bem ou para o mal. assim, as dores e os prazeres são novos de cada vez que os provamos."
Marta Gil
Subscrever:
Mensagens (Atom)