quarta-feira, 11 de setembro de 2019
LITANIA
Estava sentado numa sala anexa ao bloco operatório
e uma enfermeira passou com o teu útero num saco de plástico
transparente
Com o teu útero com a minha primeira casa e a de meus irmãos
ainda escorrendo sangue
Uma pequena construção toda em pedra
com divisões de tijolo e cal hidráulica
e janelas abrindo para o vale
Com o teu útero
Com a memória do pão depois de levedado e da tua saia comprida
cheia de farinha
Com a memória de uma gema de ovo
Com o teu útero
Com a memória de uns sapatos demasiado apertados
Com a memória do giz e do ferro a carvão e dos alinhavos
na minha alma antes de ser posta à prova
Com o teu útero
Com a memória de uma véspera de Natal das rabanadas e da aletria
e das águas que de súbito inundaram o soalho da cozinha
Com a memória agitada dessas águas
Com o teu útero
Com a memória de uma explosão de mimosas
Com a memória do cheiro a flor de laranjeira e a néroli
Com o teu útero
Que o anatomo-patologista dentro em pouco se encarregaria de
retalhar
com a lâmina do bisturi
Jorge Sousa Braga
Vou guardar as tuas mãos na paixão que tenho por ti,
mas não te posso revelar o meu nome, nem precisas de o saber.
Chama-me o que quiseres, dá-me um nome para que possamos amarmo-nos.
Aquele que tinha perdi-o no caminho até aqui.
Pertencia a outra paixão, e já a esqueci.
Dá-me tu um nome para eu poder ficar contigo...
Al Berto
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