quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

a ação consiste em escrever[-te], de.va.ga.ri.nho e num poema. numa linguagem sem regras. sem pausas, sem silêncios. a desenhar palavras com pontuações e letra pequena. 
os meus olhos, a medir o mundo; cheio de arritmias gramaticais frente à tua voz. 
e o coração, que encolhe por de dentro das paredes do peito, e as palavras que ficam com cheiro de pele e de tudo o que se suspende na tua boca.



como saber se sofre de bromidrose (aqui há gato)

Ossometria by Marina Moshkovich
está preparada para ser veterinária

Do livro "Dois corpos tombando na água"
dicionário bilingue em dez chamamentos
volume primeiro: da profanação

1. a de adorar

é na profanação do corpo que as tuas mãos mais se assemelham a uma fé por inventar. seres capaz do altíssimo gesto que coloca dois seios num altar e que faz de um homem um homem apenas. ir crescendo-te o mistério dessa senhora linda e nua e tua sob as mãos, sob a boca: a linguagem e os dentes - a memória da mais antiga mordedura. eis como tudo é bom. muito bom.

2. b de balsamita

aliviar-te da água que do corpo nasce. devolvê-la à origem. não beijar em vão o aroma apimentado do teu corpo. não desperdiçar uma única gota do teu desejo. pronunciar cada gosto de ti como uma sentença de vida. és o meu senhor do alimento e calarei na minha boca todas as palavras sem cheiro de ti: o pão de cada dia refaz-se nesta língua. minha. tua. papa primordial.

3. c de colostro

humedeceres-te de todas as verdades: o meu sexo, ou melhor a minha rata ou melhor a minha cona traz no cheiro o teu gosto: ao princípio metes os teus dedos aí nas circunvoluções anteriores do meu desejo. é já dia e é então que nascem todos os significados: deixas que a palavra cona, a palavra rata e a prosaica palavra sexo escorram entre a minha e a tua língua. líquida, a palavra de leite, líquida, a palavra cona e não saberás ainda por completo as minhas coxas: a tua boca recria em mim multiplicados corpos. povoaremos assim o mundo com os filhos desse gosto: olhos, mãos, línguas que atravessam os séculos nascem do abismo entre as minhas coxas: é sábado. por fim nos santificamos.

4. d de desentranhados

orfãos de mãe, orfãos de pai: a memória do nome dá-se-nos em tecituras que entrelaçam o teu no meu tempo: as auréolas dos meus seios coroam-te os dias e tu desenhas-me em cada uma das linhas das tuas mãos. o nosso é um corpo sudário: incorruptível mãe, incorruptível pai, um do outro nos parimos. a marca amada. a cama marcada.

desentranhada pele da pele. desentranhados, poro a poro.

5. e de estomentar

da inflorescência do teu sexo nascem todos os momentos que em mim se fazem lisuras. o meu ventre recolhe esse lençol alvo e ao morreres, nasces em mim. separarmos o dia da noite para tecermos a longa teia dos corpos.
rotunda a língua em que se dizem os meus e os teus dedos, os nós de nós em borbotões. ai.

6. f de foder

trair-te com todas as palavras profanadas: foder ou comer tudo o que de ti vem, engolir o teu sémen e ao cuspir-te seres outro. olho para ti e cubro-te das jóias mais luzentes em que a minha língua se dá: puta és, puta. ou amante.

por entre as pernas o nome. por entre as pernas, santificado sejas.

7. g de grifar

bichos. bichos. como os bichos nos fodemos. acontece-nos gritar uma só palavra. acontece-nos a nuca os olhos na nuca os dentes na nuca as mãos que arrepelam os cabelos na nuca as unhas cravadas na nuca.
as minhas mãos em sacões pelo teu corpo todo. olho-te. por detrás dos meus olhos estás por detrás dos meus olhos. os sentidos saqueados pela respiração acelerada que me desliza pelas costas.

engatinho e tu vens-te entre as minhas nádegas.

8. h de homem

no interior da minha carne o exterior da tua carne. a pele vai e vem num testemunho de maré. as ondas antes do mar. ante o mar.
aqui, nesta península corpomeu se ergue o promontórioteu. a terra mais próxima já à vista: navegarei teu sangue por dentro e exalarei teu nome: depois, ágrafos, nos despiremos de todas as falsas epopeias. a poesia é pura deriva.

9. I de invenção

sentar-me em ti como à mesa. comer do pão. beber do vinho. a ceia dos sentidos consumida no altar da noite. entras em mim e a digestão começa na boca. suave o vinho, espumoso, escorre-me dos lábios e a palavra pão ganha a humidez brilhante que a incorpora.

invejo o teu sexo que se ergue como luzeiro na noite. invejo-te o líquido que dele mana como vinho e a espada romba que separa o irmão da irmã, a mãe do filho e o meu do teu corpo e vai fendendo o tempo acima, abaixo, dentro, fora, dentro, fora. acima como abaixo. dentro como fora. foder-te também eu.

era o que mais queria.

10. j de jamais

principalmente quando acreditas é que o tempo é de saber. depois não. e o silêncio cai como frio e os corpos dão-se na secreta busca do sentido. tenho uma palavra encravada na goela e a goela inflamada como uma vulva. no mais profundo de mim habita uma fúria em forma de dentes, mãos e sangue. o sexo todo inchado como uma verdade. primeiro acreditamos e depois nos fodemos.

assim seja.

lavo três vezes a boca antes de te gritar. deus dá-se em chamamentos. deus é ágrafo.

deus é nós.

Marta Cunha Caldeira



nos teus abraços, ou nos meus?

quando os clientes se cagam literalmente para ti 😂😂😂
#MiauficounervosocomatiaLeonor

。Cactus - Mammillaria luethyi


"(...) E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e, entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste? E me respondias, voz trémula: estou nascendo agora."

Mia Couto*


Mamã, quero estudar Medicina Veterinária.



trago-te no peito, aberto pela tua ausência. sem sim, sem não, o coração que se guarda por dentro das memórias. 

[ olhos que demoram, gestos que nos prendem ]

os medos a fragmentarem-me com o que o silêncio pode revelar. as noites de céu aceso, a espreitar as palavras visíveis que enchem a boca e esvaziam o coração. as noites que espreitam à luz da lua todas as emoções com cheiro a maresia. as noites que se cumprem na distância dos desencontros, de todos os "ses" da vida. da água que me azula de mansinho a vida que se desprende em fragmentos - como se fragmentos fosse o que nos resta. 

[ percorrer o papel - 15 cm; mais meio para sul; chegar mais longe, mais 1.5 para fechar na mão o que se esquece de imediato ]

depois é preciso continuar. depois há os cheiros 

[misturam-se com os caminhos que se cruzam no mar]. 

adivinham-se neblinas na medida de tudo o que nos preenche. depois fixamos as mãos, inventamos espaço. sorvemos a paisagem, as pedras e os verdes, engolidos em tardes lentas e mansas. rasgamos o intransponível, os recantos insuspeitos do que é público. 

não quero que me possuas. quero que navegues em mim -  tu és barco, eu sou mar. sou voo a convidar a noite a dar voz ao que não dizes, a adormecer na boca a palavra saudade. do outro lado da parede soltam-se ventos nas veias. 
o corpo torna-se tela e o pintor és tu. adivinha-mo-nos em outros corpos, nas mãos abertas a procurar o calor das marés que apetece fazer entre nós. 

o meu lado esquerdo, que é o lado do coração, diz-me para me entregar às palavras do amor através do tacto.







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