segunda-feira, 5 de novembro de 2018

entre o sempre e o agora, a palavra (a transbordar de ti) mordida entre os lençóis. é a vontade, a vontade do correr da água, do desvanecer do corpo que se ergue, da boca que se leva a outra boca, do tempo que jurava voar quando solto dos teus lábios. entre o sempre e o agora, o porém, que nos traz hoje os dias quentes da procura, os dias em que nos revisitamos com uma nitidez que nos fere como fogo. e de repente já não sei se somos nós que olhamos os afectos enraizados, se é o mundo que se propaga no teu abraço que é onde me reconheço. e abraçámos os dedos - memórias de tempos de silêncio
Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... Se ao menos eu permanecesse àquem... Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído Num baixo mar enganador de espuma; E o grande sonho despertado em bruma, O grande sonho - ó dôr! - quási vivido... Quási o amor, quási o triunfo e a chama, Quási o princípio e o fim - quási a expansão... Mas na minh'alma tudo se derrama... Entanto nada foi só ilusão! De tudo houve um começo... e tudo errou... - Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... - Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, Asa que se elançou mas não voou... Momentos d'alma que desbaratei... Templos aonde nunca pus um altar... Rios que perdi sem os levar ao mar... Ansias que foram mas que não fixei... Se me vagueio, encontro só indicios... Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; E mãos de herói, sem fé, acobardadas, Puseram grades sôbre os precipícios... Num impeto difuso de quebranto, Tudo encetei e nada possuí... Hoje, de mim, só resta o desencanto Das coisas que beijei mas não vivi. Um pouco mais de sol - e fôra brasa, Um pouco mais de azul - e fôra além. Para atingir, faltou-me um golpe d' asa... Se ao menos eu permanecesse àquem... Mário de Sá-Carneiro