quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

« Faite l’amour pas la guerre. Enfin non… L’amour ça fait des gosses qui crient et qui sont chiants. Faite des crêpes, c’est bon les crêpes ! »


Queria os teus olhos a fecharem-se comigo por dentro e tu por dentro de mim.

Queria de ti um minuto. Um minuto.

Filipa Leal



Por um desvio semântico qualquer, que os filólogos ainda não estudaram, passámos a chamar manhã à infância das aves.
De facto envelhecem quando a tarde cai e é por isso que ao anoitecer as árvores nos surgem tão carregadas de tempo.

(Fruto, Carlos de Oliveira)



a partir de certa altura se não somos nós que desistimos as partes de que somos feitos desistem sozinhas.

António Lobo Antunes




vantagens de se ser transparente

podemos andar nus que ninguém repara
não se perde tempo de manhã

não precisamos de espelhos
nunca nos vemos velhos

trazemos o coração à vista
e quem quiser notar nota
(se o nosso coração pára)
quem não quiser não nota

não ficamos mal nas fotografias
nem saímos mal na fotografia
podemos sair à francesa
podemos comer como abades
ser feios como as portas
ter as pernas tortas

e podemos ser mosca

menor propensão para a obes
idade mórbida
menor propensão para perder ch
aves
maior tolerância ao sol
maior tolerância ao álcool
e nada de ressacas

podemos pregar sustos e atravessar pa
redes
não temos de esconder os piretes

não guardamos não acumulamos não ocupamos
não sobramos nem soçobramos

abocanhamos o mundo
e sopramos a soprana existência sobre velas desenfunadas

em chama


Sónia Oliveira


(foto de Berlim, Dez 2017)

não há previsão para um tempo a escrever-se lento. o sobressalto translúcido
da palavra medo. quando os dias desaguam no choro, exaustos de exaltação que me vem por não saber o que fazer disto. 
devias estar aqui, rente à minha pele, a cabeça encostada no meu peito - a paixão do lado esquerdo. e com todas as forças que os nossos dedos conseguem. a inclinar os corpos para o voo rasante.

 [tum-tum/tum-tum, o frémito cardíaco acelerado pelo teu sorriso]

viver a ternura na dimensão do poema. o tempo, o tempo a escrever-se lento, quando sou tudo e nada, quando o amanhã é o futuro onde estaremos mais próximos. quando me lanço na tua pele a saber das horas perdidas e da dor que significam pontos cardeais e azimutes. 
não moro nas palavras que não sinto, quando tu vens a entrar no poema e eu passo o teu nome da minha boca para os meus olhos. quando dou a mão ao espaço que corre para nós.
contigo sou completa. sou céu e rio. sou o choro de todas as palavras que nos chegam fora do tempo. sou o tremor que nos invade o desejo, quando desapareces entre as linhas

[a boca a escorregar no silêncio. o coração a saltar no peito]

todos os lugares são demasiado longe de ti
e eu quero ficar perto.



a pele foi o tudo, pensou. e o nada - noite a olhar-me como se o mundo fosse o teu corpo - a ser palavras carregadas com o cheiro da memória. a desejar, a despir, a rasgar e amar, cheias de sexo, cheias de sangue.
a pele gasta-se, tal como as palavras. deverá ser lambida, com a língua que sabe os caminhos que se desenham nas veias. os lábios unidos na carne suspensa na tua espera. os dias a estremecerem por de dentro da pele.
e os corpos sabem onde se começam, sabem por onde começar. as mãos que se amarram a abraços , que se perdem no desejo, que se distraem com sorrisos
as mãos, as mãos que lambem a pele, e que desenham as palavras que entram dentro de mim.