sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

actualiza poeticamente a natureza metamórfica da vontade
"Preciso de ti para um poema. Ofereço-te em troca o meu auto-retrato sincero. Tenho quarenta livros prontos para serem lidos. Tenho uma estratégia infalível para implementar a primavera. Tenho a segurança de um corpo cheio de insónias, pele de galinha, súbitos arrepios, termómetros para novecentas febres, saliva muito devagar, pés descalços, arrebatamentos incomunicáveis, fins de noite numa garrafa de vinho, estilhaços de quatrocentos orgasmos, comoções, paixões flagrantes, primeiros cuidados para jovens suicidas, lâmpadas que se queimaram nas minhas próprias mãos.
(...)
Sou um pintor. Trago sangue para os vossos olhos. Tenho artérias que se descosem e me cospem dentro de mim mesmo. Preciso de muita paciência, de todas as mulheres do mundo. Durmo sobre a cama profana da minha escuridão. Contagio e deixo-me contagiar pela peste dos bairros pequenos. Não suporto muita luz, não sei o que é uma avenida. Esquina, sou qualquer coisa que o espanto torce. Sou viciado no álcool dos corpos que se difundem. Bebo das vossas bocas o que não pode ser visto. Pinto para me esquecer do que não pode ser visto. Pinto com os materiais clandestinos do meu amor. Não projecto nada na minha tela. Eu sou a tela. Eu sou a luta das cores por um diafragma de beleza. Sou um pintor. Mereço morrer como pintor. Não mereço que me prendam. Mereço todas as minhas paixões. Mereço todas as minhas paixões.

Vi tudo. Não tudo, mas tudo o que me aconteceu. Garanto-te que prestei atenção e estou pronto para mais 47 anos de fita. Não quero rebobinar, quero atravessar os pomares da minha loucura terrena, colhendo frutos, marcando todas as árvores, com fogo, a ilegível assinatura da minha passagem.

Não é para decifrar! Não é para decifrar! É para se desfazer na boca, como açúcar, como vinho, como a erva lenta da infância."

Vasco Gato, in "A Prisão e Paixão de Egon Schiele "





há uma vertigem nos amanheceres onde os poemas nascem das esperas entre a noite das palavras.

vou amar-te para sempre, disse(-te), vou escrever(-te) cada vez que as marés me invadirem neste lugar de todos os dias, e a dor se tornar saliente dentro do sangue que coagula nas linhas das mãos.

há restos de ti nas palavras que me povoam, nas mãos que fragmentam a realidade da vida intermitente, no desejo a flutuar nos sorrisos. a preencher o recomeço do mundo com a respiração na pele.


nowhere is [also] a place [in people's heart]



estica-te. dá o máximo de ti. a vida faz de ti um elástico sem fim.