cerro as mãos onde te guardo. os silêncios depois da ausência, as unhas cravadas. depois da dor, o alívio
[- a história que se ouve e se continua a ouvir e ouvir, até acreditarmos que passamos a fazer parte dela]
é o dia em hora cinza-prata, a impregnar-me dos segredos que envolvem o olhar. é o corpo que fica vazio, o medo que o invade em sossegos prolongados.
[é o coração que se encontra de costas]
quero dizer-te do ruído insaciável do corpo, dizer-te da devastação da pele. viver-te por entre o cheiro do tempo que tudo sabe e nada disse. até ao breve regresso, devolver o corpo à poesia nas horas em que estar feliz é uma ferida que só o sono acalma.
[respiro-te por entre as vozes]
as janelas escancaradas, por onde entra a vida
de
mansinho.
quinta-feira, 18 de janeiro de 2018
o corpo e a forma do poema. intenso como o desejo recortado na minha pele. este amor em forma liquida, na travessia do tempo onde se geram ritmos. os teus gestos, no meu corpo entrelaçados, a minha língua que se escreve na tua pele. é este amor táctil em que se libertam as imagens nos dedos
[memórias em modo repeat que me encerram as mãos]
este avesso das palavras na escuta das tuas mãos que desejam o côncavo do meu corpo. perco os olhos nestes movimentos de ida e volta, enquanto te sussurro nos poros da tua pele com o entardecer dos meus lábios
[o ventre, o meu ventre , a linha da anca onde mergulhas o quente das tuas mãos]
abracei-te no meu colo, onde me sinto pequenina à sombra dos meus cabelos. a fazer planos desencontrados na imaterialidade do momento.
[memórias em modo repeat que me encerram as mãos]
este avesso das palavras na escuta das tuas mãos que desejam o côncavo do meu corpo. perco os olhos nestes movimentos de ida e volta, enquanto te sussurro nos poros da tua pele com o entardecer dos meus lábios
[o ventre, o meu ventre , a linha da anca onde mergulhas o quente das tuas mãos]
abracei-te no meu colo, onde me sinto pequenina à sombra dos meus cabelos. a fazer planos desencontrados na imaterialidade do momento.
Somos a carne de um fruto atordoado. Somos o dia aparatoso
nas escadas, depois navios ancorados carregados de bruma.
(...)
Quando tens frio, risco-me como fósforo na tua pele ondulada.
As tuas pernas afogam-se em poços de água, eu tenho os braços engessados numa parede violenta - porém beijamo-nos na boca lenta da madrugada.
O meu nome acordou povoado pelo teu nome.
Vasco Gato
nas escadas, depois navios ancorados carregados de bruma.
(...)
Quando tens frio, risco-me como fósforo na tua pele ondulada.
As tuas pernas afogam-se em poços de água, eu tenho os braços engessados numa parede violenta - porém beijamo-nos na boca lenta da madrugada.
O meu nome acordou povoado pelo teu nome.
Vasco Gato
há dias em que sou o alimento e o sumo doce da uva,
em que sei a largura dos ossos e a flexibilidade do arco.
às vezes, confundo a sombra dos objectos, a paisagem e os espelhos.
depois tento escrever sobre o pó e os símbolos que conheço e que não conheço.
há caligrafias internas e isso o que é (pergunto) e a noite e a metáfora e eu
apenas sei de vidros, da espuma nos talheres de que já te falei(...)
e pouco mais. há dias em que respiro muito pouco, sabes.
é apenas o músculo que separa o tempo
e entre as coisas está, às vezes, a alegria de tudo.
Susana Miguel
em que sei a largura dos ossos e a flexibilidade do arco.
às vezes, confundo a sombra dos objectos, a paisagem e os espelhos.
depois tento escrever sobre o pó e os símbolos que conheço e que não conheço.
há caligrafias internas e isso o que é (pergunto) e a noite e a metáfora e eu
apenas sei de vidros, da espuma nos talheres de que já te falei(...)
e pouco mais. há dias em que respiro muito pouco, sabes.
é apenas o músculo que separa o tempo
e entre as coisas está, às vezes, a alegria de tudo.
Susana Miguel
Esse teu mundo, de que te orgulhas tanto,
não sei se tem a paz do ramo seco
onde a lagarta faz o seu casulo.
O corpo, é certo, «todo de olhos feito»,
é o mais belo e mais sensível fruto
da natureza, e a todos causa espanto;
e tens, dentro do crânio, um arbusto pensante,
prodígio de design e invenção,
com que às vezes tu pensas, outras não.
E a tua voz, concedo, tem
do mel toda a doçura, e o veneno,
e não a alcança o chão cantar do grilo,
nem o silvo vulgar de aves volantes.
Mas vejo como o escondes, esse corpo,
e o julgas precioso e permanente,
e como perde o brilho com a idade,
e se desfaz em nada, de repente;
como o mutilas, em silêncio e medo
e recusas, e tratos, e contratos,
e assim de dia a dia te transformas
em fumo fátuo sem calor nem chama.
Não assim nós. A vã formiga, mesmo,
carregando penedos e montanhas,
é mais forte que tu, e mais discreta,
e o cru automatismo que vês nela
é só mudo louvor da natureza. E tu,
da tua voz, a doce, o que fizeste?
Que lâminas e pregos lhe puseste;
de que arameAlexandre a rodeaste? Enquanto
calados, nós, não nos mentimos tanto.
Não que sejamos santos; também eu,
o mais sábio de todos os insectos
(aracnídeo seria mais correcto;
faço-me aqui servir do que me excede),
asceta, anacoreta, e confessado adepto
de rigorosa dieta vegetal
por respeito da vida no universo,
às vezes, numa raiva de apetite,
lanço os meus fios de caça, e apanho
algum bicho menor, algum mosquito,
a consumir, de preferência, em verso.
Mas vê: está vazio o casulo, aberto
por uma ponta, em círculo perfeito,
e da lagarta só ficou um resto
de pele morta, branca como a tua;
vem tu, humano, transformar-te em ave,
sem temor nem cautela, e em silêncio;
já a conversa fez que me escapasse
o voo inaugural da borboleta.
António Franco Alexandre
não sei se tem a paz do ramo seco
onde a lagarta faz o seu casulo.
O corpo, é certo, «todo de olhos feito»,
é o mais belo e mais sensível fruto
da natureza, e a todos causa espanto;
e tens, dentro do crânio, um arbusto pensante,
prodígio de design e invenção,
com que às vezes tu pensas, outras não.
E a tua voz, concedo, tem
do mel toda a doçura, e o veneno,
e não a alcança o chão cantar do grilo,
nem o silvo vulgar de aves volantes.
Mas vejo como o escondes, esse corpo,
e o julgas precioso e permanente,
e como perde o brilho com a idade,
e se desfaz em nada, de repente;
como o mutilas, em silêncio e medo
e recusas, e tratos, e contratos,
e assim de dia a dia te transformas
em fumo fátuo sem calor nem chama.
Não assim nós. A vã formiga, mesmo,
carregando penedos e montanhas,
é mais forte que tu, e mais discreta,
e o cru automatismo que vês nela
é só mudo louvor da natureza. E tu,
da tua voz, a doce, o que fizeste?
Que lâminas e pregos lhe puseste;
de que arameAlexandre a rodeaste? Enquanto
calados, nós, não nos mentimos tanto.
Não que sejamos santos; também eu,
o mais sábio de todos os insectos
(aracnídeo seria mais correcto;
faço-me aqui servir do que me excede),
asceta, anacoreta, e confessado adepto
de rigorosa dieta vegetal
por respeito da vida no universo,
às vezes, numa raiva de apetite,
lanço os meus fios de caça, e apanho
algum bicho menor, algum mosquito,
a consumir, de preferência, em verso.
Mas vê: está vazio o casulo, aberto
por uma ponta, em círculo perfeito,
e da lagarta só ficou um resto
de pele morta, branca como a tua;
vem tu, humano, transformar-te em ave,
sem temor nem cautela, e em silêncio;
já a conversa fez que me escapasse
o voo inaugural da borboleta.
António Franco Alexandre
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