domingo, 6 de maio de 2018

Metade de mim mora em manhãs de inventar o frio-
falo de um tempo onde a chuva
marca a respiração no vidro
e o vento é lido por pássaros
e lá para o fim do dia
quando tenho nas mãos
a idade das primeiras chuvas
conto estrelas para passar o tempo

Maria Sousa

World’s Biggest Rubber Duck (Hong Kong)



Fecho os olhos, cansada e deixo-me vaguear numa modorra lassa que me ajuda a desprender de tudo, de todos, da realidade, antes de mais. Quando os reabro estou sentada à tua beira, velando em silêncio. Tacteio, sem o tocar o teu corpo, o teu rosto. Esse teu rosto mãe.
Descerro mais as pálpebras, que me pesam como chumbo, e o teu olhar toca o meu. A sombra de um sorriso passeia nos teus lábios. Fecho os olhos com força para que não percebas, neles, as lágrimas que se escondem.

Sorrio apenas em resposta ao teu sorriso, falsamente despreocupado, nenhuma de nós com coragem necessária para dizer o que tem de ser dito, ambas tentando afastar a hora que na inevitabilidade se pendura.

Os meus olhos passeiam pelo teu cabelo, pelo teu rosto marcado. Afloram, de mansinho as tuas faces lisas e onde os teus quase 59 anos não deixaram marcas visíveis. Os meus olhos que te envolvem por inteiro num abraço de ternura e de que já nem te dás conta, assim deitada e já tão próxima do fim...

Inclino-me para ti, afloro-te a testa com os lábios, envolve-me o teu aroma, discreto a flores, o teu cheiro de sempre... abraço-te, e murmuro, de mãos dadas contigo até ao fim: "até amanhã mãe, dorme bem, descansa agora em paz"!

( Mãe...os lugares vazios de ti...estão vazios de qualquer forma de vida - Dante G. Rossetti)
Bukowski
[ dizer-te, nesta manhã rasgada por pássaros de fogo, que me faltas ]

não me canso de olhar o verde e o vermelho
o vento cada vez mais óbvio nas árvores -
já não é o tempo a correr-me entre os dedos
sou eu a entregar-me

Teresa Balté