domingo, 4 de fevereiro de 2018

dia mundial da luta contra o cancro

eu não sabia o que era a palavra oncologia
dezassete anos e na caligrafia nenhures
talvez a tivessem amputado ao dicionário
e depois resolvessem imputá-la assim à bruta
nem o filho da puta do cancro eu conhecia
vem pela calada
e aluga-te uma parte do corpo
como um verme que rasteja derme
dentro
quando dás conta, o cabrão ri-se
como se fosses escravo dele
às vezes quando te apercebes
o cabrão é muitos nos teus órgãos
e ri-se ainda mais
como que a dizer-te adeus
às vezes é muitas vezes
e come-te à exaustão da carne
e apenas restas na comiseração das chagas
sobre a pele
e o filho da puta ri-se, ri-se ainda mais
e tu das duas uma
ou vais pra debaixo da terra e leva-lo contigo
ou ris-te com ele e de seguida enfias-lhe
uma bala entre os cornos.

Hélder Magalhães

o céu. e nada mais que as estrelas. que eram os teus olhos, a voar nos meus. o peito cheio a vestir-se de madrugada.
desce das dunas o cheiro a-mar. adormece na boca a palavra saudade, enquanto ficamos à espera que não seja tarde para acontecer.

[dizer-te] - trocamos sentimentos no lugar das palavras.   sem promessas feitas, a tornarem-se ocasos de lugares-comuns. o que nos damos está em todos os lugares, nos gestos, em todos os olhares, no encontrar dos corpos, na vida que sabe sempre acontecer. nestes regressos a nós.

human heart at the Mutter museum
come wander with me

há dias em que sou o alimento e o sumo doce da uva,
em que sei a largura dos ossos e a flexibilidade do arco.
às vezes, confundo a sombra dos objectos, a paisagem e os espelhos.
depois tento escrever sobre o pó e os símbolos que conheço e que não conheço.
há caligrafias internas e isso o que é (pergunto) e a noite e a metáfora e eu
apenas sei de vidros, da espuma nos talheres de que já te falei(...)
e pouco mais. há dias em que respiro muito pouco, sabes.
é apenas o músculo que separa o tempo
e entre as coisas está, às vezes, a alegria de tudo.

Susana Miguel