segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Esse teu mundo, de que te orgulhas tanto, não sei se tem a paz do ramo seco onde a lagarta faz o seu casulo. O corpo, é certo, «todo de olhos feito», é o mais belo e mais sensível fruto da natureza, e a todos causa espanto; e tens, dentro do crânio, um arbusto pensante, prodígio de design e invenção, com que às vezes tu pensas, outras não. E a tua voz, concedo, tem do mel toda a doçura, e o veneno, e não a alcança o chão cantar do grilo, nem o silvo vulgar de aves volantes. Mas vejo como o escondes, esse corpo, e o julgas precioso e permanente, e como perde o brilho com a idade, e se desfaz em nada, de repente; como o mutilas, em silêncio e medo e recusas, e tratos, e contratos, e assim de dia a dia te transformas em fumo fátuo sem calor nem chama. Não assim nós. A vã formiga, mesmo, carregando penedos e montanhas, é mais forte que tu, e mais discreta, e o cru automatismo que vês nela é só mudo louvor da natureza. E tu, da tua voz, a doce, o que fizeste? Que lâminas e pregos lhe puseste; de que arame farpado a rodeaste? Enquanto calados, nós, não nos mentimos tanto. Não que sejamos santos; também eu, o mais sábio de todos os insectos (aracnídeo seria mais correcto; faço-me aqui servir do que me excede), asceta, anacoreta, e confessado adepto de rigorosa dieta vegetal por respeito da vida no universo, às vezes, numa raiva de apetite, lanço os meus fios de caça, e apanho algum bicho menor, algum mosquito, a consumir, de preferência, em verso. Mas vê: está vazio o casulo, aberto por uma ponta, em círculo perfeito, e da lagarta só ficou um resto de pele morta, branca como a tua; vem tu, humano, transformar-te em ave, sem temor nem cautela, e em silêncio; já a conversa fez que me escapasse o voo inaugural da borboleta. António Franco Alexandre (in Aracne, Assírio e Alvim)
"O seu coração não é a pilhas, é a energia solar. À venda numa loja de peças usadas, colocado na secção dos artigos com defeito, continua por comprar. Adiado por ninguém querer um coração que demora a aquecer." menina limão
ANÚNCIO: Senhora míope procura cavalheiro com astigmatismo para troca de pontos de vista.
monachopsis n. the subtle but persistent feeling of being out of place, as maladapted to your surroundings as a seal on a beach—lumbering, clumsy, easily distracted, huddled in the company of other misfits, unable to recognize the ambient roar of your intended habitat, in which you’d be fluidly, brilliantly, effortlessly at home.
como há palavras que não se dizem, digo-te que viverei neste mundo com esta vontade de te querer sem limites
Por um desvio semântico qualquer, que os filólogos ainda não estudaram, passámos a chamar manhã à infância das aves. De facto envelhecem quando a tarde cai e é por isso que ao anoitecer as árvores nos surgem tão carregadas de tempo. Fruto, Carlos de Oliveira
Si quieres puede ser puro Pero para mí puro es salvaje Como el primer día del sol. — em (http://anateresabarboza.blogspot.pt).
nowhere is [also] a place [in people's heart]
"Não venhas tarde!", Dizes-me tu com carinho, Sem nunca fazer alarde Do que me pedes, baixinho "Não venhas tarde!", E eu peço a Deus que no fim Teu coração ainda guarde Um pouco de amor por mim. Carlos Ramos
noite do teu tão bonito sorriso solto, perdido horizonte e madrugada o riso o arco da madrugada o porto Nada Navegar... Caetano Veloso
Frigideira minha, frigideira minha! Há cozinha mais desarrumada que a minha?