segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

(Desafio: acrescentem Mandamentos!)

Os Dez Mandamentos da Urgência
(para doentes e acompanhantes)

I - Não dirás que 37ºC é febre.

II - Não irás interromper o trabalho dos médicos para perguntar quanto tempo falta para seres atendido.

III - Não virás à Urgência se tiveres sentido um sintoma ligeiro, que durou pouco tempo e entretanto já passou.

IV - Da mesma forma, não virás à Urgência se tiveres um sintoma ligeiro há mais de um mês.

V - Se estiveres grávida terás paciência com os médicos enquanto eles decidem o que te vão prescrever, uma vez que o único medicamento que eles têm a certeza que não faz mal ao teu bebé é o paracetamol.

VI - Quando vieres à Urgência irás certificar-te que trazes uma lista atualizada da tua medicação, pois em nada servirá descreveres os medicamentos pela cor e tamanho do comprimido.

VII - Não exigirás ao médico que te receite antibiótico para tratar uma gripe.

VIII - Da mesma forma, não exigirás ao médico que te passe uma baixa só porque te doem as costas desde ontem.

IX - Não mentirás ao enfermeiro da triagem para receber uma pulseira de cor mais prioritária do que a que mereces.

X - Não abandonarás o teu familiar na Urgência em vésperas de Natal, réveillon, férias de Verão ou outras ocasiões festivas.

Cumpre estes mandamentos e serás recompensado com um atendimento célere e eficaz. Desrespeita estes mandamentos e serás condenado a horas de espera numa cadeira desconfortável, ao lado de pessoas com gripe que não param de tossir e espirrar.

(e se comerem um Pastel de Nata por favor não venham à Urgência com dor de barriga!)


- Não virás à Urgência um dia após ter sido medicado para se queixar que ainda não está melhor.
-  Não virás à Urgência quando já sabes que a mezinha da vizinha ou a indicação do Dr Google é aquilo que vais fazer de qq forma.
- Não trarás acompanhante sem ficha com suposta doença de modo a impor também o "já agora que aqui estamos, podia ver este meu vizinho?!"
-  Não trarás um cão para vacinar e pedit já agora para dar um olhinho ao outro cão a que lhe pareceu um tumor enorme na véspera.
- Não dizerem mais: "eu só venho nas últimas". ( pouco doentinhos, a maior parte das vossas "últimas", são as nossas "primeiras"!)
- Adenda ao I: não dirás que tens febre interior.
- Não dirás que tens febre ao contrário quando nunca chega aos 36°C.
- Não digas constantemente que pagas impostos, porque eu também pago, e talvez muito mais do que tu. Talvez por isso recebo tão pouco ou tenho as horas extra em atraso.
- Não desvalorizem os Médicos/ Médicos Veterinários/Enfermeiros, pois também são seres humanos e que precisam de almoçar e jantar como todos os comuns mortais, sendo o fazer chichi um luxo.
- Mandamento 748, na secção "Milagres só nos livros ilustrados": não voltarás à Urgência a queixares-te das mesmíssimas coisas do dia anterior sem teres ido à farmácia buscar o raio da receita e iniciado a medicação.
- Não virás ao SU ao primeiro indício de uma dor de garganta/ constipação com o pretexto de "querer atacar rapidamente!" Ou "antes que seja tarde demais", porque por regra é cedo demais.
- Não irás à urgência porque tens febre há 2 horas mas como se mete o Carnaval decidiste ir logo.
- Não virás ao SU com a mãezinha que fala por ti e sabe muito bem que é grave, quando já és maior e vacinado.
- Não irás fazer do médico um lenço evitando tossir-lhe na cara.
- Não interromperás uma reanimação para informar que a visita já devia ter começado há 10 minutos.
- Não dirás que tens de comer porque és diabétic@ , e assim sendo não podes estar muito tempo à espera.
Adenda: Não dirás que tens que ser atendida rapidamente porque tens de fazer o almoço.
- Não dirás que o teu cão é uma urgência quando está com gastroenterite há 15 dias.
- Não trarás o teu animal doente e aproveitas para pedir para lhe administrar as vacinas que estão atrasadas há mais de três anos.
Adenda: não dirás" já agora pode cortar-lhe as unhas, quando está a parar e os procedimentos de CPR urgem.
- Não reclamarás que chegaste há mais de duas horas e ainda não foste atendid@ quando no sistema a inscrição mostra que estás apenas há 15 minutos.

De Carla Araújo com a colaboração de vários colegas e Médico-Veterinários.
O meu agradecimento à autorização da partilha adaptada.
vem beijar-me
[quero amanhecer contigo a meu lado]

a ver o mar
a-ver-o-mar
(a.ver.rumar)
(h)aver-o-mar

ver

mar
MANUEL CINTRA: para o Mário Botas

Eu conheço o teu mal. É uma pata de fera todos os dias cozida num mundo em berros de metal. Conheço, do fundo dos teus olhos até ao fundo dos meus, um frasco de mitos, roubados aos outros e cozidos em lume brando, ora lume de alegria, ora lume de mal estar. Conheço-te. Pouco, mas bem. És um dos meus mitos, um dos teus. Corres o risco, e depois não o tornas a apagar.
E sei que te dói. Sei que te dói volta e meia quando ris. Quando tudo rebenta e a casa, gaveta por gaveta, voa em pantanas até criar asas e se evaporar. Gostava de comer uma dessas asas. de te dar um embrulho com um beijo e um par de estalos dentro.
— Agora escolhe tu, que não sei se o dia de hoje é fasto ou nefasto.
Trago um lírio no pulmão. Enche-me tanto de luz, que por vezes custa respirar. Tu pareces uma criança. Adoeces e apetecia-me comer-te a doença, com as minhas dentadas que afinal são fracas e permitir que fosses criança em paz e sossego.
O teu sarcasmo é puro sangue.
Não há nada a apontar.
Tenho receio, por vezes, que não entendas. Eu nunca te disse nada. Vi-te no fundo dos teus desenhos, estive para chorar.
Acho apenas que lá na origem, seja ela qual for, vimos de um mesmo campo, com a mesma erva. E se agora não estamos no mesmo plano, se a origem é a mesma, é sorte poder-se encontrar.

Toma lá o embrulho. O beijo. O par de estalos. A escolha.
E que o papel de prenda seja um grande abraço.

Manuel Cintra, 'Para o Mário Botas' [com Raul de Carvalho, Mário Cesariny e Luis Manuel Gaspar], Lisboa, edição dos autores, orientação gráfica de Vitor Silva Tavares, distribuição & etc, 1984


o que interessa são os beijos entre beijos, e todas as palavras incontidas da saudade. levas-me, com o coração à frente dos próprios passos

[o rendilhado das margens do poema]


deve ser assim que principia o transparente dos dias, por entre os murmúrios e as minhas mãos que adormeceram nas tuas.