quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Tudo o que impera pode ser despótico. A paz também. Vítor Sousa
talvez seja o entardecer dos meus gestos no teu rosto. talvez sejam as minhas emoções a repousar no regresso dos dias [no interior das coisas mais líquidas] queria tanto dizer-te que aqui se inventa o mar de volta, que se inventa o partir, para regressar. que não foi por acaso que as noites ficaram mais claras quando me lembro de cada lágrima, de cada abraço, do sonho presente na nudez da insistência do teu corpo no meu. [e também nos rios que me inundam e saciam a sede] partir, partir, aqui, para ficar. no planar das aves, na fragilidade da existência. no percorrer da água nos dedos. [e depois?] é a brisa a escorregar entre os dedos para uma nova manhã, é a imensidão do mar a asfixiar-me em infinito. ser [linha curva] só [ último fôlego] existir. e a fuga para o sonho seria apagar a memória do agora.
metades que se completam

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Inês Dias
E sim, parece que é assim, que te foste embora dizendo não sei o quê, que te ias atirar ao Sena, qualquer coisa desse tipo, uma dessas frases em plena noite, misturadas com o lençol e de boca pastosa, quase sempre na escuridão ou com qualquer coisa de mão ou de pé roçando o corpo daquele que quase nem ouve, porque há já tanto tempo que quase nem te oiço quando dizes essas coisas, coisas que vêm do outro lado dos meus olhos fechados, do sono que me afunda novamente. Então está bem, que importa que tenhas partido, se te afogaste ou se ainda andas pelos cais olhando a água, e além disso não tenho a certeza, pois estás aqui adormecida respirando entrecortadamente, mas então não partiste quando partiste a certa altura na noite antes de eu me perder no sono, porque tinhas partido dizendo alguma coisa, que te ias afogar no Sena, ou seja tiveste medo, arrependeste-te e de súbito estás aqui quase a tocar-me, e moves-te ondulando como se alguma coisa trabalhasse suavemente no teu sono, como se verdadeiramente sonhasses que partiste e que após tudo isto chegaste ao cais e te atiraste à agua. Qualquer coisa assim, novamente, para adormeceres depois com a cara encharcada por um choro estúpido, até às onze da manhã, hora em que trazem o jornal com as notícias dos que de facto se afogaram. Dás-me vontade de rir, coitada. As tuas determinações trágicas, essa maneira de andar a bater às portas como uma actriz de tournées de província, pergunto-me se realmente acreditas nas tuas ameaças, nas tuas repugnantes chantagens, nas tuas inesgotáveis cenas patéticas untadas de lágrimas e de adjectivos e de repetições. Merecias alguém mais dotado do que eu que redarguisse, ver-se-ia erguer-se então o casal perfeito, com o deleitoso fedor do homem e da mulher que se destroem enquanto se olham nos olhos para assegurarem o mais precário adiamento, para sobreviverem ainda e voltarem a tentar e perseguirem inesgotavelmente a sua verdade de terreno baldio e de restos raspados do fundo do tacho. Mas, como podes ver, escolho o silêncio, acendo um cigarro e oiço o que dizes, oiço as tuas queixas (que têm razão de ser, mas que posso eu fazer?), ou, o que ainda é melhor, vou-me deixando adormecer, quase embalado pelas tuas previsíveis imprecações, com os olhos semicerrados misturo ainda por um instante as primeiras vagas dos sonhos com os teus gestos de ridícula camisa de dormir à luz do candelabro que nos ofereceram quando nos casámos, e julgo que por fim adormeço e levo comigo, confesso-to quase com amor, a parte mais aproveitável dos teus movimentos e das tuas denúncias, o som explosivo que te deforma os lábios lívidos de cólera. Para enriquecer os meus próprios sonhos onde nunca ninguém se lembra de afogar-se, acredita. Mas se é assim pergunto-me o que estás a fazer nesta cama que tinhas decidido abandonar pela outra mais vasta e mais esquiva. É que agora dormes, moves de quando em quando uma perna que vai mudando o desenho do lençol, pareces incomodada com alguma coisa, não demasiado incomodada, é como um cansaço amargo, os teus lábios esboçam um esgar de desprezo, deixam escapar o ar entrecortadamente, recolhem-no a baforadas breves, e julgo que se não estivesse tão exasperado pelas tuas falsas ameaças admitiria que és outra vez bonita, como se o sono te devolvesse um pouco do meu lado em que o desejo é possível e até mesmo a reconciliação ou um novo prazo, qualquer coisa menos turva do que este amanhecer onde principiam a rolar os primeiros carros e os galos abominavelmente desnudam a sua horrenda servidão. Não sei, já nem sequer faz sentido perguntar outra vez se chegaste a partir, se eras tu quem bateu com a porta ao sair no instante exacto em que eu resvalava no esquecimento, e é talvez por isso que prefiro tocar-te, não porque duvide de que estás aqui, provavelmente nem chegaste a sair do quarto, talvez um golpe de vento tenha fechado a porta, sonhei que partiras enquanto tu, julgando-me acordado, me gritavas a tua ameaça aos pés da cama. Não é por isso que te toco, na penumbra verde do amanhecer é quase doce passar uma mão por esse ombro que estremece e me recusa. O lençol cobre-te pela metade, os meus dedos começam a descer pelo cristalino desenho da tua garganta, inclinando-me respiro o teu hálito que cheira a noite e a xarope, não sei como mas os meus braços envolveram-te, oiço um queixume enquanto arqueias a cintura, resistindo, mas os dois conhecemos demasiado bem este jogo para acreditarmos nele, é preciso que me abandones a boca que ofega palavras soltas, de nada serve que o teu corpo amodorrado e vencido lute procurando escapar-se, somos a tal ponto uma mesma coisa nesse enredo de novelo onde a lã branca e a lã negra lutam como aranhas num bocal. No lençol que já quase não te cobre consigo entrever a lufada instantânea que sulca o ar e se perde na sombra e agora estamos nus, o amanhecer envolve-nos e reconcilia-nos numa só matéria trémula, mas obstinas-te em lutar, encolhendo-te, lançando os braços por sobre a minha cabeça, abrindo como num relâmpago as coxas para voltar a fechar as suas tenazes monstruosas que desejam separar-me de mim mesmo. Tenho de dominar-te lentamente (e, como sabes, fi-lo sempre com uma graça cerimonial), vou dobrando os juncos dos teus braços sem magoar-te, cinjo-me ao teu prazer de mãos crispadas, de olhos enormemente abertos, agora o teu ritmo enfim afunda-se como um pano de seda em lentos movimentos ondulantes, de profundas borbulhas subindo até à minha cara, vagamente acaricio o teu cabelo espalhado na almofada, olho surpreendido a minha mão que jorra na penumbra verde, e antes de resvalar a teu lado sei que acabam de tirar-te da água, e que é demasiado tarde, naturalmente, e que jazes sobre as pedras do cais rodeada de sapatos e de vozes, nua e com as costas no chão, com o teu cabelo encharcado e os teus olhos abertos. Julio Cortázar
peónias
...É assim o mar. Vou aprendendo com as ondas a desfazer-me em espuma. Há sempre uma gaivota que grita quando estou perto, sempre uma asa entre o céu e o chão da casa. Mas nada me pertence, nem as palavras com que cimento as horas. Talvez o amor seja uma pequena diferença entre fusos horários (...) que só existe no fundo da pele. Mas aqui onde não sou o que me funda é a certeza que existes. Rosa Alice Branco*
pero que las hay, las hay
pegas em mim outra vez amas sas-me mas antes se paras-me por cores verme lho azul ama relo ama relo azul verme lho por cores se paras-me mas antes amas sas-me outra vez Sónia Oliveira

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

«Espáduas brancas palpitantes: asas no exílio dum corpo. Por vezes fêmea. Por vezes monja./Conforme a noite. Conforme o dia» (Natália Correia, in Auto retrato)
É belo e terrível, isto de, mais cedo ou mais tarde, nos habituarmos a (quase) tudo. - Carlos Vaz Marques [Charles Simic, in Previsão do Tempo para Utopia e Arredores, ed. Assírio e Alvim]
Break every rule, i saw myself in you. (TheSoil List)

domingo, 28 de outubro de 2018

'La Piscine' (Jacques Deray, 1969)
I drink from your gash. I spread your naked legs, I open them like a book where I read what kills me. — Georges Bataille
respira acção. quando os pulmões ganham gestos vegetais e gritam ao mundo: fotossinto-te
White chocolate, cranberry and strawberry rocky road http://technicolorkitcheninenglish.blogspot.pt/2011/09/white-chocolate-cranberry-and.html White chocolate, cranberry and strawberry rocky road slightly adapted from the always wonderful Donna Hay Magazine 800g white chocolate, chopped 2½ cups quartered white marshmallows ½ cup chopped dried apples 1 ¾ cups (192g) sweetened dried cranberries 1 cup freeze-dried strawberries, sliced lengthwise Very lightly butter a 20x30cm (8x12in) baking pan and line it with foil (the butter will keep the foil from sliding around the pan). Place the chocolate in a heatproof bowl over a saucepan of barely simmering water – do not let the bottom of the bowl touch the water – and cook until chocolate is melted and smooth. Remove from the heat, add the marshmallow, dried apples and cranberries – keep some of the cranberries for decoration – and stir until well combined. Pour mixture into prepared pan and smooth the top. Sprinkle with the dried strawberries and reserved cranberries. Set aside until firm, 2-3 hours (the recipe calls for placing the pan in the refrigerator but I chose not to). Cut into pieces, remove the foil and serve. Makes 25 – I cut them a bit smaller and got 32
When there´s no more room in hell the dead will walk among us!

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

It's not snow, it's just the spider season in Australia
. (...) há alturas, imagina, em que penso que não existo e depois vem a aflição, o medo, o meu pulso tão rápido, a voz da minha mãe, do fundo da infância. António Lobo Antunes -
Memórias duma Vet (sistema informatico que nos informa do nome do cliente que vamos atender e o motivo da consulta)

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

brejeirices moliceiras (By Luís Bacharel)
Pelo Amor Adentro Há Lugares Terríveis (Vesela Mihaylova, photography)
"À sua volta crescia o silêncio, doloroso silêncio, semelhante ao que se estende por cima do mar cuja misteriosa mansidão nos acorda, obrigando-nos a descobrir, subitamente, que a solidão é muito maior do que julgávamos." Al Berto
"As palavras não significam nada se não forem recebidas como um eco da vontade de quem as ouve." Agustina Bessa-Luís
gosto desta liberdade acerca do que anda tanta gente prisioneira, por mais que me faça doer.
"Tentei afogar as minhas dores, mas elas aprenderam a nadar" ~Frida Kahlo ~ Homenagem a uma Amiga R.I.P.Jane Outros 2016
Toca o telefone. Após conversa de surdos com a detentora de cão ( por causa da localização e tempo que a mesma existe), necessito perguntar o peso do cão para "orçamentar" determinado exame: -" Dra, tem 14 anos... ... .. . #faztodosentido
Memórias duma Vet ( linguagem impropria) Entras na carrinha e ligas o GPS para introduzires a morada do domicílio que vais fazer. Abres as janelas, hábito inerente à tua claustrofobia. Uma cabeça masculina assoma : - Boa tarde doutora! Está a conhecer-me? (merda... estás de farda, estetoscópio ao peito, não tens safa possivel): - eeeh, sim, acho que sim! - posso convidá-la para um café? (continua a olhar para o GPS, a ferver e, oh merda, estás de farda, não podes responder à letra) :- naaah! (com enfado). - então não nos podemos conhecer? (ai o catano, merda da farda...): naaah! - É casada? (porra, que o gajo é chato e insistente) : sou sim, e não usamos aliança no nosso serviço por questões higiénicas! - Mas podíamos ir ali conhecer-nos! (a fúria invade-me, mas a farda...ai a merda da farda... e estar à porta do hospital): naaah! - Ao menos pode dizer-me o seu nome? Foda-se, caralho, desampara a loja pá!!!!! Não! #aiafarda
Happy Birthday Picasso!

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Chegas à rua e é isto: mesmo modelo e mesma cor. Sem veres a matrícula diriges-te para o mais sujo. Voilá!
Já devorei carne pela carne, só pelo desejar , só pela lascívia e desprendimento. A libertinagem no feminino ( com o outro género acontecerá o mesmo), ter um corpo e ser possuída por um outro corpo. Um acto, dois actos, o espasmo e cada um para o seu lado. Nada de enredos ou compromissos, nada de teias (prefiro as viúva-negra) ou sentimentos profundos. A carne come-se, mastiga-se como num inexistente guião pornográfico ou num épico eyes wide shut. Abre e fecha (close up), fecha e abre … orgasmos, se plural existir, sem diferença entre os novos e os velhos. Já o amor… “ o amor é fodido”, passo a citação sonante a fast-food … fode-se com sentimento e sem sentimento somos projectados do trapézio para as sarjetas da dor e do abandono. Há quem no entretanto se ate (aqui a expressão seria boundage com dominação)…case ou descase, com casa ( toda a tralha inerente) e fiadores para empréstimo. Corações a aspirantes de uma vida a dois ou a três… a quatro já exige balanço de custas (natalidade sob controle). Ajuízem-me melhor… amo mas não sou amada. Sofro da invisibilidade que a idade opera. Amora Silvestre

terça-feira, 23 de outubro de 2018

perder a consciência do sentido da vida
Não sei como dizer-te que a minha voz te procura ... herberto helder

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Libraria Acqua Alta bookshop in Venice, Italy Photo by @takemyhearteverywhere on Instagram
Autumn landscape in Rožmberk nad Vltavou, Czech Republic, as captured by @vetrana on Instagram
colorful village jodipan-malang-java