quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

sabes, há alturas em que o meu peito se comprime. é o meu corpo a reagir à lembrança de te sentir deitado sobre o meu lado esquerdo, de te descobrir para lá das palavras

[o meu peito, calibrado de certezas]

de que me levarias para tão longe que nunca saberia como regressar.
sabes, respirar por vezes é sufocante. como se violentamente o amor nos arrancasse o ar, nestas esperas reinventadas, onde nascem medos que nos acordam em ferida. sabes, as palavras que amam são as que rasgam. e tudo o que existe se suspende nesta noite que rompe em silêncios. onde soletro lentamente, com o meu corpo, o teu nome.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

em todos os lugares... faltas tu.

[onde me doem os sorrisos e as lágrimas, onde me dói debaixo da pele]

quando te encontrar, o que faço ao hábito de esperar por ti?

[o que seria de nós sem o movimento das palavras inscritas no nosso corpo? ]


cliché: decisões conjugadas na primeira pessoa - um verdadeiro primeiro dia do resto da minha vida.


não há previsão para um tempo a escrever-se lento. o sobressalto translúcido da palavra medo. quando os dias desaguam no choro, exaustos de exaltação que me vem por não saber o que fazer disto.
devias estar aqui, rente à minha pele, a cabeça encostada no meu peito - a paixão do lado esquerdo.
e com todas as forças que os nossos dedos conseguem. a inclinar os corpos para o voo rasante.

 [tum-tum/tum-tum, o frémito cardíaco acelerado pelo teu sorriso]

viver a ternura na dimensão do poema. o tempo,
o
tempo
a
escrever
-se
lento,
quando sou tudo e nada, quando o amanhã é o futuro onde estaremos mais próximos. quando me lanço na tua pele a saber das horas perdidas e da dor que significam pontos cardeais e azimutes.
não moro nas palavras que não sinto, quando tu vens a entrar no poema e eu passo o teu nome da minha boca para os meus olhos. quando dou a mão ao espaço que corre para nós.
contigo sou completa.
sou
céu
e
rio
sou o choro de todas as palavras que nos chegam fora do tempo. sou o tremor que nos invade o desejo, quando desapareces entre as linhas.

[a boca a escorregar no silêncio. o coração a saltar no peito]

todos os lugares são demasiado longe de ti
e eu quero ficar perto.

A poesia

não diz nada

é


Giorgio Manganelli

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

disseste-me: ainda estás a tempo de fugir. sorri e, abrindo as mãos, ofereci-me a ti.

[amar-te é perder-me, disse-te, é encontrar-me no teu abraço, é desistir dos silêncios que me têm povoado os monossílabos que não dizem mar.]

disseste-me: se respirares o meu nome, transponho todos esses silêncios.

[olhei-te, e a três passos de ti disse-te, com os olhos no vento, que o teu sorriso desagua nas minhas mãos neste amanhecer contínuo.]

disseste-me: não sei onde irei guardar os meus segredos, mas preciso da tua pele para escrever um poema de amor.



sábado, 27 de janeiro de 2018

*Abro-me em árvore quando tenho saudades do verde.*

Casimiro de Brito

Tudo nós,  tudo nós!!! 😱
in: "os Médicos-Veterinários adoptam cada criatura" 😨
Fernão Capelo Gaivota ou AKA " a rolinha do Zé"

na foto: Dr. José Vieira





O lobo comeu o colibri.

Agora, quando abre as mandíbulas,
o canto da avezinha escapa-se-lhe

- o colibri é o lobo
e o lobo o colibri.

Também o colibri pode comer o lobo
porém, ao abrir o bico,

morrerá com o uivo.


Catarina Santiago Costa




Eu, se fosse gajo, escrevia poemas. As mulheres gostam de poetas. Acham que dentro da pele do poeta mora um cabrãozito com emoções. As mulheres gostam de emoções, mesmo que não rimem. Podem ser emoçőes em haiku. E gostam de cabrõezitos, claro.
Às mulheres não bastam as suas emoções. Precisam de ser o motor das emoções dos outros. As mulheres saem em bandos ou solitárias, pelos caminhos, para vampirizar emoções. Se não o fizerem, encarquilham quando o sol se põe. Desfazem-se em pó de esquecimento que é o pior que pode acontecer a uma mulher. É por isso que elas dizem: nunca mais te vais esquecer de mim! E é por isso que elas gostam de pensar que se morarem num poeta e se morarem no poema compram a eternidade.
E um homem até as pode deixar de amar, mas desde que seja com metáforas.

Maria Belo



sexta-feira, 26 de janeiro de 2018



- Gosta de poesia?
- Eu respondo com uma imagem saborosa. É como arroz, depende da maneira de o fazer. Posso gostar muito. Há um certo tipo de arroz que eu adoro, como se faz no Porto, por exemplo, que é um arroz a fugir, com bastante líquido, com estrugido, que aqui em Lisboa se chama refogado, com estrugido de cebola, com temperos muito bons, e depois sempre com qualquer acrescento de vegetal ou também de animal, especialmente do mar, por exemplo, arroz de polvo. À maneira do Porto é, de facto, delicioso, porque escorrega, não é? As coisas que nós comemos começam por ser deliciosas e são deliciosas até ao fim na boca, escorregam. Com poesia é exactamente a mesma coisa, tal e qual, não faz diferença nenhuma.

( parte de entrevista de Alberto Pimenta no início de ano nos Jogos Florais)


"Life should not be lived without love" - Serge Gainsbourg

Inger Christensen
Tudo desde sempre. Nunca outra coisa. Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.(...)

Samuel Beckett

Uma criança disse: «Um anjo é uma gaivota.»
«Um anjo é um homem como os outros: o que é, tem asas.»
E outras: «Um anjo é um pássaro cantador.» (...)
Crianças trespassadas pela sua própria exactidão. (...)

A solidão que trespassa uma criança imóvel é uma luz insuportavelmente branca.

Herberto Helder

(Marcelo, 3 anos)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

As mulheres têm fios desligados

Há uns tempos a Joana,
- Pai, acabei um namoro à homem.
Perguntei como era acabar um namoro à homem e vai a miúda
-Disse-lhe o problema não está em ti, está em mim.
O que me fez pensar como as mulheres são corajosas e os homens cobardes. Em primeiro lugar só terminam uma relação quando têm outra. Em segundo lugar são incapazes de
- Já não gosto de ti
de
- Não quero mais
chegam com discursos vagos, circulares
- Preciso de tempo para pensar
- Não é que não te amo, amo-te, mas tenho de ficar sozinho umas semanas
ou declarações do género de
- Tu mereces melhor do que eu
- Estive a reflectir e acho que não te faço feliz
- Necessito de um mês de solidão para sentir a tua falta
e aos amigos
- Dá-me os parabéns que lá me consegui livrar da chata
- Custou-me mas foi
- Amandei-lhe daquelas lérias do costume e a gaja engoliu
- Chora um dia ou dois e passa-lhe
e pergunto-me se os homens gostam verdadeiramente das mulheres. Em geral querem uma empregada que lhes resolva o quotidiano e com quem durmam, uma companhia porque têm pavor da solidão, alguém que os ampare nas diarreias, nos colarinhos das camisas e nas gripes, tome conta dos filhos e não os aborreça. Não se apaixonam: entusiasmam-se e nem chegam a conhecer com quem estão. Ignoram o que ela sonha, instalam-se no sofá do dia a dia, incapazes de introduzir o inesperado na rotina, só são ternos quando querem fazer amor e acabado o amor arranjam um pretexto para se levantar
(chichi, sede, fome, a janela de que se esqueceram de baixar o estore)
ou fingem que dormem porque não há paciência para abraços e festinhas,
pá, e a respiração dela faz-me comichão nas costas, a mania de ficarem agarradas à gente, no ronhónhó, a mania das ternuras, dos beijos, quem é que atura aquilo? Lembro-me de um sujeito que explicava
- O maior prazer que me dá ter relações com a minha mulher é saber que durante uma semana estou safo
e depois pegam-nos na mão no cinema, encostam-se, colam-se, contam histórias sem interesse nenhum que nunca mais terminam, querem variar de restaurante, querem namoro, diminutivos, palermices e nós ali a aturá-las. O Dinis Machado contava-me de um conhecedor que lhe aclarava as ideias
- As mulheres têm fios desligados
e um outro elucidou-me que eram como os telefones: avariam-se sem que se entenda a razão, emudecem, não funcionam e o remédio é bater com o aparelho na mesa para que comecem a trabalhar outra vez. Meu Deus, que pena me dão as mulheres. Se informam
- Já não gosto de ti
se informam
-Não quero mais
aí estão eles a alterarem a agressividade com a súplica, ora violentos ora infantis, a fazerem esperas, a chorarem nos SMS a levantarem a mãozinha e, no instante seguinte, a ameaçarem matar-se, a perseguirem, a insistirem, a fazerem figuras tristes, a escreverem cartas lamentosas e ameaçadoras, a entrarem pelo emprego dentro, a pegarem no braço, a sacudirem, a mandarem flores eles que nunca mandavam flores, a colocarem-se de plantão à porta dado que aquela puta há-de ter outro e vai pagá-las, dispostos a partes-gagas, cenas ridículas, gritos. A miséria da maior parte dos casais, elas a sonharem com o Zorro, com o Che Guevara ou eles a sonharem com o decote da vizinha de baixo, de maneira que ao irem para a cama são quatro: os dois que lá se deitam e os outros dois com quem sonham. Sinceramente as minhas filhas preocupam-me: receio que lhe caia na sorte um caramelo que passe à frente delas nas portas, não lhes abra o carro, desapareça logo a seguir por chichi-sede-fome-persiana-mal-descida-e-os-ladrões-percebes, não se levante quando entram, comece a comer primeiro e um belo dia
(para citar noventa por cento dos escritores portugueses)
- O problema não está em ti, está em mim
a mexerem na faca à mesa ou a atormentarem a argola do guardanapo, cobardes como sempre. Não tenho nada contra os homens: até gosto de alguns. Dos meus amigos. De Shubert. De Ovídio. De Horácio, de Virgílio. De Velásquez. De Rui Costa. De Einzenberger. Razoável, a minha colecção. Não tenho nada contra os homens a não ser no que se refere às mulheres. E não me excluo: fui cobarde, idiota, desonesto.
Fui
(espero que não muitas vezes)
rasca.
Volta e meia surge-me na cabeça uma frase de Conrad em que ele comenta que tudo o que a vida nos pode dar é um certo conhecimento dela que chega tarde demais. Resta-me esperar que ainda não seja tarde para mim. A partir de certa altura deixa-se de se jogar às cartas connosco mesmos e de fazer batota com os outros. O problema não está em ti, está em mim, que extraordinária treta. Como os elogios que vêm logo depois: és inteligente, és sensível, és boa, és generosa, oxalá encontres etc., que mulher não ouviu bugigangas destas? Uma amiga contou-me que o marido iniciou o discurso habitual
- Mereces melhor que eu
levou como resposta
- Pois mereço. Rua.
Enfim, mais ou menos isto, e estou a ver a cara dele à banda. Nem uma lágrima para amostra. Rua. A mesma lágrima para amostra. Rua. A mesma amiga para uma amiga sua
- O que faço às cartas de amor que me escreveu?
e a amiga sua
- Manda-lhas. Pode ser que lhe façam falta.
Fazem de certeza: é só copiar mudando o nome. Perguntei à minha amiga
- E depois de ele se ir embora?
- Depois chorei um bocado e passou-me.
Ontem jantámos juntos. Fumámos um cigarro no automóvel dela, fui para casa e comecei a escrever isto. Palavra de honra que na janela uma árvore a sorrir-me. Podem não acreditar mas uma árvore a sorrir-me.

© António Lobo Antunes


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

a pele na pele. as memórias como terra fértil onde mergulho - nutrir-me em ti.


e o meu abraço, chega até aí?

o teu nome. a memória. e as horas.

devia ser assim que começa um poema. ou um romance - como aquele que conheço quando entras dentro de mim e o meu corpo flutua, acima dos pássaros, acima das mãos. onde as palavras se escrevem sobre o teu despenhar em mim. naquele silêncio desenhado e nu, quando invoco o teu nome e tu és todos os homens do mundo.
eras o vento suspenso na ternura quando me abraçavas, virado para o lado da tranquilidade. por dentro do eco do nosso silêncio. desenhando devagar os vocábulos da palma da tua mão no meu corpo. tens esse sabor das pedras redondas e invisíveis dos rios.

[disse-te: entrelaças as letras na memória das palavras]

é o teu nome - o que fica para além da memória das horas
é um mar imenso que se debruça no horizonte.
são os gestos e sentidos, as palavras que me entram no avesso do corpo

[ as palavras onde me fecho, quando os gestos acontecem, quando as linhas das minhas mãos procuram as tuas ].

não há o nome da pressa, nos sentidos por nós respirados e que são na nossa pele a marca dos dias - dentro da noite que se cruza com a vontade.
entendi porque se morre de desejo, porque se entornam os silêncios nas bocas, porque dor se escreve ausência.
trazes nos olhos o sossego que entardece as minhas emoções. abandonamos o lugar que se teima em se deitar connosco. desenhamos na maresia a distância onde cabem todos os caminhos.

desteço-me no futuro,
       sob(re) a pele,
rompo-me no vento
       que estremece no segredo das árvores,

e há estas manhãs de sonhos dentro das minhas mãos.

shhhhh... keep quiet and soften



Just
A musicalidade de algumas palavras orfãs:

Miefe
Arrostolhado
Avagalhoar
Refunfunar.
Espargir
Esborcinada
Restolhar
Tremulina (da caloraça)
Pletórico
Marrafa
Sangradura
Estralar/estralejar
Desarrazoada
Esfacelar
Cinéreo/cinerício
Afestoar
Esmoucar/esboucelar
Esparvar
Álacre
Bácoro
Tropicada
Acrimónia
Açafate
Matorral
Prelado
Errabundo
Safardana
Esbofado
Rojar
Ocelado
Upar
Confutador
Conicina
Ciclamor
Ciclorama
Iriado
Reboar
Aguilhoar
Lobrigar
Acoitar
Obnubilar
Emparvecer/emparvoar

#meninalimão(blog)



24A, excerto II (Claúdia R. Sampaio)

Gosto do cheiro da ambulância. Faz-me esquecer os
gritos da velha do quarto de São José
“Filho da puta, morre, morre!”
Amei, como se toda a vida bastasse, aquele enfermeiro de
seringa salvífica
A velha adormeceu entre a cara atravessada de cuspo e
o meu sorriso idêntico
Como é bela esta velha e a sua face cheia de pêlos
lembrando um kiwi
Da cama ao lado embalo-a sem me mexer
Dorme, velha, dorme, do teu sono de cheiro a poentes,
lembrando mortes

TAC à cabeça, análises ao sangue e à urina, electrocardiograma,
a mão do enfermeiro pousada sobre o meu ombro
E diz-me, calado: “Vai ficar tudo bem, está pronta para
viver mais um pouco.”
Sabe doutora, não sei se consigo, logo se vê.
A minha mãe estava zangada ao telefone, não me
perdoa que seja este atónito corpo em falta de si mesmo,
deslizante cavalo alado numa confortável cadeira-de-rodas

Gosto do cheiro da ambulância
as duas companheiras anónimas estão amarradas e
tremem a cada curva como duas labaredas cinzentas,
receosas de serem cuspidas ao grande vácuo
“Agora é que vamos mesmo morrer”
Como é bela esta imagem de duas camas psiquiátricas a
descarrilarem numa via-rápida, matando tudo!

Aqui não se pode fumar e não vejo mais nada
que possa fazer até ao último triunfo do meu corpo
despejado na bacia de uma cama que não conheço
Fixo as cabeças oscilantes das minhas companheiras que
nem os comprimidos anestesiam de tão ciclópica viagem
Se querem morrer, façam-no pela via-rápida!
Não vejo melhor metáfora enquanto me perco no soro

Pela pequena janela observo candeeiros e o topo de prédios
As pessoas nas suas casas sendo tristes,
quem sabe raríssimas sejam até felizes e sejam até pessoas,
tão inexistentes como muitas léguas no deserto
E como eu invejo quem resiste a mais uma fruteira vazia,
depois de ter apostado tudo
Como eu invejo a naturalidade com que aqueles corpos
conseguem até deslocar-se na rua, despejados de orgulho
e amor e espanto
E como invejo a não vida de quem pensa que a tem, sendo
alma tapada a betume
Vejo-as através dos pequenos vidros e quero chorar, merda,
quero chorar
Aquelas pessoas achando que a vida é um lugar onde se vive

Afinal a travagem é suave
Expulsam-me da grande caixa alta com rodas e luz
“Já posso fumar?” Ainda não, ainda não.
É melhor ir para dentro porque está frio no último dia de
Outubro e a minha bata transparente não se compadece com
a minha vontade.
Ainda quero chorar, viro a cara para o escuro onde sei que
estão as árvores
A campainha toca insistente, é tarde, os doentes já estão
deitados e os enfermeiros vão certamente na terceira cartada
de Sueca
Ninguém vem, talvez possa ir para casa.
Despejei uma lágrima, ninguém viu, como é que saio daqui?
Estou indecisa entre fumar ou morrer
Não sinto o corpo, talvez fumar seja mais difícil
Mas a porta abre e uma auxiliar leva-me pela escadaria,
lá vou eu, ascendente ao céu onde depositarei as minhas
gargalhadas.
Já sinto o sabor do tabaco debaixo da língua.


A noite explode-me nas mãos
em lantejoulas vermelhas do vestido
que a minha solidão usa neste quarto
— só existo quando olhas para mim
mas insistes em desarmar-me de olhos vendados.

Assumimo-nos como carrascos de uma mansidão letal
e o mundo lá fora prossegue na sua melancolia habitual
enquanto tu consolas o meu medo com as tuas mãos milenares

sabendo que é por esses dedos que a noite se mata
e a luz da manhã cega um pouco menos.

Leonor Castro Nunes & Marcos Foz

( in There's Only 1 Alice)


terça-feira, 23 de janeiro de 2018

previsão do estado do corpo para hoje:
- os olhares perdem-se junto das árvores caducas
- sopra com toda a força o que nasce de um encontrão dum vento
- toda a paisagem que atravesso dá a volta ao mundo na ternura dos teus olhos
- choverá muito, eu sei, quando se desfazem as palavras ao ler-te na pele.


one day
The wound? Profound.
But healed.
One day
will become a larger scar;
—even more grotesque,
than
one day
the wound itself was.

(unknown, undated, untruth)
habitas-me em cada palavra que dança entre os silêncios 

[poemas corpóreos cheios de certezas]

as manhãs não verbalizadas a crescer nos teus braços, nas tuas mãos, na pele 

[onde pousam os pássaros que nos permitem sonhar]

cerzir a tua ausência, tracejada nas linhas onde desenho a tua espera. 

habitas-me nestas palavras que são só nossas.

...
sei-me quem sou.
liberto-me.
ssim.
...

José Régio


(...)

o amor não se faz de coração crispado:
o leito do amor é a simples terra nua.

Egito Gonçalves


A minha maneira de amar-te é simples:
aperto-te a mim
como se tivesse um pouco de justiça no coração
e ta pudesse dar com o corpo

Quando te revolvo os cabelos
algo de lindo nasce das minhas mãos

E não sei quase mais nada. Aspiro apenas
a estar contigo em paz e a estar em paz
com um dever desconhecido
que às vezes me pesa também no coração

Antonio Gamoneda



Sandy SKOGLUND

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

(Desafio: acrescentem Mandamentos!)

Os Dez Mandamentos da Urgência
(para doentes e acompanhantes)

I - Não dirás que 37ºC é febre.

II - Não irás interromper o trabalho dos médicos para perguntar quanto tempo falta para seres atendido.

III - Não virás à Urgência se tiveres sentido um sintoma ligeiro, que durou pouco tempo e entretanto já passou.

IV - Da mesma forma, não virás à Urgência se tiveres um sintoma ligeiro há mais de um mês.

V - Se estiveres grávida terás paciência com os médicos enquanto eles decidem o que te vão prescrever, uma vez que o único medicamento que eles têm a certeza que não faz mal ao teu bebé é o paracetamol.

VI - Quando vieres à Urgência irás certificar-te que trazes uma lista atualizada da tua medicação, pois em nada servirá descreveres os medicamentos pela cor e tamanho do comprimido.

VII - Não exigirás ao médico que te receite antibiótico para tratar uma gripe.

VIII - Da mesma forma, não exigirás ao médico que te passe uma baixa só porque te doem as costas desde ontem.

IX - Não mentirás ao enfermeiro da triagem para receber uma pulseira de cor mais prioritária do que a que mereces.

X - Não abandonarás o teu familiar na Urgência em vésperas de Natal, réveillon, férias de Verão ou outras ocasiões festivas.

Cumpre estes mandamentos e serás recompensado com um atendimento célere e eficaz. Desrespeita estes mandamentos e serás condenado a horas de espera numa cadeira desconfortável, ao lado de pessoas com gripe que não param de tossir e espirrar.

(e se comerem um Pastel de Nata por favor não venham à Urgência com dor de barriga!)


- Não virás à Urgência um dia após ter sido medicado para se queixar que ainda não está melhor.
-  Não virás à Urgência quando já sabes que a mezinha da vizinha ou a indicação do Dr Google é aquilo que vais fazer de qq forma.
- Não trarás acompanhante sem ficha com suposta doença de modo a impor também o "já agora que aqui estamos, podia ver este meu vizinho?!"
-  Não trarás um cão para vacinar e pedit já agora para dar um olhinho ao outro cão a que lhe pareceu um tumor enorme na véspera.
- Não dizerem mais: "eu só venho nas últimas". ( pouco doentinhos, a maior parte das vossas "últimas", são as nossas "primeiras"!)
- Adenda ao I: não dirás que tens febre interior.
- Não dirás que tens febre ao contrário quando nunca chega aos 36°C.
- Não digas constantemente que pagas impostos, porque eu também pago, e talvez muito mais do que tu. Talvez por isso recebo tão pouco ou tenho as horas extra em atraso.
- Não desvalorizem os Médicos/ Médicos Veterinários/Enfermeiros, pois também são seres humanos e que precisam de almoçar e jantar como todos os comuns mortais, sendo o fazer chichi um luxo.
- Mandamento 748, na secção "Milagres só nos livros ilustrados": não voltarás à Urgência a queixares-te das mesmíssimas coisas do dia anterior sem teres ido à farmácia buscar o raio da receita e iniciado a medicação.
- Não virás ao SU ao primeiro indício de uma dor de garganta/ constipação com o pretexto de "querer atacar rapidamente!" Ou "antes que seja tarde demais", porque por regra é cedo demais.
- Não irás à urgência porque tens febre há 2 horas mas como se mete o Carnaval decidiste ir logo.
- Não virás ao SU com a mãezinha que fala por ti e sabe muito bem que é grave, quando já és maior e vacinado.
- Não irás fazer do médico um lenço evitando tossir-lhe na cara.
- Não interromperás uma reanimação para informar que a visita já devia ter começado há 10 minutos.
- Não dirás que tens de comer porque és diabétic@ , e assim sendo não podes estar muito tempo à espera.
Adenda: Não dirás que tens que ser atendida rapidamente porque tens de fazer o almoço.
- Não dirás que o teu cão é uma urgência quando está com gastroenterite há 15 dias.
- Não trarás o teu animal doente e aproveitas para pedir para lhe administrar as vacinas que estão atrasadas há mais de três anos.
Adenda: não dirás" já agora pode cortar-lhe as unhas, quando está a parar e os procedimentos de CPR urgem.
- Não reclamarás que chegaste há mais de duas horas e ainda não foste atendid@ quando no sistema a inscrição mostra que estás apenas há 15 minutos.

De Carla Araújo com a colaboração de vários colegas e Médico-Veterinários.
O meu agradecimento à autorização da partilha adaptada.
vem beijar-me
[quero amanhecer contigo a meu lado]

a ver o mar
a-ver-o-mar
(a.ver.rumar)
(h)aver-o-mar

ver

mar
MANUEL CINTRA: para o Mário Botas

Eu conheço o teu mal. É uma pata de fera todos os dias cozida num mundo em berros de metal. Conheço, do fundo dos teus olhos até ao fundo dos meus, um frasco de mitos, roubados aos outros e cozidos em lume brando, ora lume de alegria, ora lume de mal estar. Conheço-te. Pouco, mas bem. És um dos meus mitos, um dos teus. Corres o risco, e depois não o tornas a apagar.
E sei que te dói. Sei que te dói volta e meia quando ris. Quando tudo rebenta e a casa, gaveta por gaveta, voa em pantanas até criar asas e se evaporar. Gostava de comer uma dessas asas. de te dar um embrulho com um beijo e um par de estalos dentro.
— Agora escolhe tu, que não sei se o dia de hoje é fasto ou nefasto.
Trago um lírio no pulmão. Enche-me tanto de luz, que por vezes custa respirar. Tu pareces uma criança. Adoeces e apetecia-me comer-te a doença, com as minhas dentadas que afinal são fracas e permitir que fosses criança em paz e sossego.
O teu sarcasmo é puro sangue.
Não há nada a apontar.
Tenho receio, por vezes, que não entendas. Eu nunca te disse nada. Vi-te no fundo dos teus desenhos, estive para chorar.
Acho apenas que lá na origem, seja ela qual for, vimos de um mesmo campo, com a mesma erva. E se agora não estamos no mesmo plano, se a origem é a mesma, é sorte poder-se encontrar.

Toma lá o embrulho. O beijo. O par de estalos. A escolha.
E que o papel de prenda seja um grande abraço.

Manuel Cintra, 'Para o Mário Botas' [com Raul de Carvalho, Mário Cesariny e Luis Manuel Gaspar], Lisboa, edição dos autores, orientação gráfica de Vitor Silva Tavares, distribuição & etc, 1984


o que interessa são os beijos entre beijos, e todas as palavras incontidas da saudade. levas-me, com o coração à frente dos próprios passos

[o rendilhado das margens do poema]


deve ser assim que principia o transparente dos dias, por entre os murmúrios e as minhas mãos que adormeceram nas tuas.

domingo, 21 de janeiro de 2018

CPR babies 🚼🏨💜

"My lord of Ely, when I was last in Holborn,
I saw good strawberries in your garden there;
I do beseech you, send for some of them!
Ely: Marry, I will, my lord, with all my heart."

Shakespeare


Jamine Matus
leaf fish (by Hazel Terry)

sábado, 20 de janeiro de 2018

"não há uma forma fácil de dizer isto, por isso vou dizê-lo sem rodeios: conheci uma pessoa. foi um acidente, não estava à procura disto. uma autêntica tempestade. ela disse qualquer coisa, eu respondi. depois lembro-me de querer passar o resto da minha vida dentro daquela conversa. talvez ela seja a mulher da minha vida. pelo menos é completamente louca e está sempre a fazer-me rir. (...) essa pessoa és tu. (...) não sei o que nos vai acontecer e não sei por que deves depositar alguma esperança em mim. mas... tu cheiras tão bem, como cheiram as casas, e fazes um café delicioso. isto tem de significar alguma coisa, certo?

[Californication]

Já te disse isto?: por vezes o teu corpo sai da sombra.
Nunca me preparei para esses momentos, estou sempre
por um triz onde a beleza devora tudo.

Vasco Gato


são as árvores que sorriem
para as águas fartas
de assombro?
(somos nós, este destino)

Papillons Graphiques by Chris Waind