sábado, 2 de dezembro de 2017

ANÚNCIO:

Senhora míope procura cavalheiro com astigmatismo para troca de pontos de vista.



A poesia faz-se contra o esquecimento?
Melhor seria dizer, contra a memória se faz a poesia.

Luis Quintais.


como há palavras que não se dizem, digo-te que viverei neste mundo com esta vontade de te querer sem limites
Por um desvio semântico qualquer, que os filólogos ainda não estudaram, passámos a chamar manhã à infância das aves.
De facto envelhecem quando a tarde cai e é por isso que ao anoitecer as árvores nos surgem tão carregadas de tempo.

(Fruto, Carlos de Oliveira)


é madrugada. devagarinho esperei, meio corpo debruçado sobre a vida inteira, que o poema surgisse. que a distância do meu corpo às horas impossíveis fosse o grito que antecede o fim - ténue. 
na pele, reverbera a memória que arde quando penso o tempo, desaprendidos 
os 

[meus] 

vazios na tentativa do sonho. os medos devorados pelas veias devastadas no fluxo 
dos 

[teus]

olhos.
esperei, meio corpo debruçado sobre o amanhecer contínuo, a vida que me deixa sempre num improviso - no côncavo das mãos, no sopro ao meu ouvido.
um dia, meio corpo debruçada sobre o futuro, confundirei pele e água, ritos e acordares contigo nos lábios. olharei a vida, em que me debruço 

[meio corpo], 

entre os silêncios de gestos parados.

[meio corpo], 

debruçada no percurso esperado, vou escrever-te todos os amanheceres, todos os abraços que me deste ao vento, todos os sorrisos atabalhoados de emoções. tudo o que desaprendi no eco da minha garganta - em cada palavra, o teu nome respirar - todos os dias, tantos dias, um dia 

[este dia]

vou amar-te sempre e escrever para dentro de ti a anatomia do silêncio
os meus olhos, a medir o mundo -  cheio. a minha mão pousada na barriga, a medir o ritmo da tua respiração - entre-cortada. a fazer do teu corpo uma metamorfose de pássaro. a tua voz, que me afaga. o calor que persiste na garganta no momento em que seguro o teu olhar nas pontas dos meus dedos.


O rádio sempre a tocar, um coração avariado que não posso desligar.

(Rui Lage, A Naifa)


"Não venhas tarde!",
Dizes-me tu com carinho,
Sem nunca fazer alarde
Do que me pedes, baixinho
"Não venhas tarde!",
E eu peço a Deus que no fim
Teu coração ainda guarde
Um pouco de amor por mim.

Carlos Ramos
não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta (...)
não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes (...)
não posso adiar
ainda que a noite pese sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

não posso adiar o coração

 António Ramos Rosa

by maria sousa e nuno abrantes

"...quando um homem começa por tocar-nos com palavras, pode chegar muito longe com as mãos."

( O Carteiro de Pablo Neruda)