quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

"(...) E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e, entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste? E me respondias, voz trémula: estou nascendo agora."

Mia Couto*


Mamã, quero estudar Medicina Veterinária.



trago-te no peito, aberto pela tua ausência. sem sim, sem não, o coração que se guarda por dentro das memórias. 

[ olhos que demoram, gestos que nos prendem ]

os medos a fragmentarem-me com o que o silêncio pode revelar. as noites de céu aceso, a espreitar as palavras visíveis que enchem a boca e esvaziam o coração. as noites que espreitam à luz da lua todas as emoções com cheiro a maresia. as noites que se cumprem na distância dos desencontros, de todos os "ses" da vida. da água que me azula de mansinho a vida que se desprende em fragmentos - como se fragmentos fosse o que nos resta. 

[ percorrer o papel - 15 cm; mais meio para sul; chegar mais longe, mais 1.5 para fechar na mão o que se esquece de imediato ]

depois é preciso continuar. depois há os cheiros 

[misturam-se com os caminhos que se cruzam no mar]. 

adivinham-se neblinas na medida de tudo o que nos preenche. depois fixamos as mãos, inventamos espaço. sorvemos a paisagem, as pedras e os verdes, engolidos em tardes lentas e mansas. rasgamos o intransponível, os recantos insuspeitos do que é público. 

não quero que me possuas. quero que navegues em mim -  tu és barco, eu sou mar. sou voo a convidar a noite a dar voz ao que não dizes, a adormecer na boca a palavra saudade. do outro lado da parede soltam-se ventos nas veias. 
o corpo torna-se tela e o pintor és tu. adivinha-mo-nos em outros corpos, nas mãos abertas a procurar o calor das marés que apetece fazer entre nós. 

o meu lado esquerdo, que é o lado do coração, diz-me para me entregar às palavras do amor através do tacto.







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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Poro a poro vou sendo o curso de água
da tua língua demasiada
e lenta

Natália Correia


às vezes os dias não cabem nas horas. escala-se o tempo na medida da vontade de desalinhar o reflexo no espelho, de desalinhar os passos. é parecido com os sorrisos que nascem, com o poema por nascer, das palavras que te vou pedindo emprestadas - do teu peito para o meu, onde te demoras.
tudo se perde no sentido do casulo que se desfaz, de cada vez que nasço quando me traças nas linhas que se perdem nos rasgos das tuas mãos.
o amor é esta noite onde nos demoramos na ânsia da âncora, na espera das vagas, que nos desenhem o caminho.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

sempre à espera dos passos que se dão ( há uma hora a embalarem-se à minha volta)

[tu dentro, eu fora]

é o peso de escrever tudo o que é impulsividade e arrependimento.

[arrefecer por de dentro do tempo o que me segura]

puxo-te para dentro de mim. a noite olha-nos como se o mundo fosse todo o teu corpo. somos bordados esbatidos do passado. percorro-te a nudez e os cheiros, abraço-te no esvoaçar, luas plenas de palavras frágeis. sem medos se falamos do sussurro de cada voo.

[ não quero ter medo porque quando dou a volta completa, encaixo-me atrás e em ti]

reinventamos o amor, por lábios e línguas, nos labirintos onde dançam no eco que persiste. dou de nome futuro ao pensamento.

[o silêncio...]
[abafar gemidos...]

ainda não falo do amor a salvar a vida que se afoga. falo do futuro em cada gesto. coloco as palavras em bolsos fundos, de onde não voaria o coração.


[o que está perdido? - a dança de apenas um corpo a vestir-se num sorriso pleno de labirintos, o sorrido reinventado em fronteiras?]

abotoo ao corpo o desejo de reciclar - vacilo em respirar, nos caminhos da mistura dos dias, falhos de convulsão.

[ é o lavado da pele com o sangue, o vacilar na mistura dos regressos]

ressoa no útero a água que me engole - para me virar do avesso. o coração rente à linha do horizonte, entre manhãs e escuridão. a mediatriz intangível da minha boca  a procurar os teus lábios

adiar a imensidão dos dias
conter a raiva
a inevitabilidade do destino
passear dois tons acima da pele
a viagem espontânea nas canções perdidas
hipérbole descrita pela língua a conter a saliva

[estás preso e eu mais presa estou. _ dedos sobrepostos] - e existe toda uma vida para viver.








Lustre de material reciclado no Hotel Villa Augustus em Dordrecht, Holanda.


  • (Tide Chandelier de Stuart Haygarth)