segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

sem te saber perguntar pela ausência,
descoses palavras
na melodia dum instante.
não te iria dizer que
me provocas tempestades que se entranham nas crateras da pele.

domingo, 4 de fevereiro de 2018

dia mundial da luta contra o cancro

eu não sabia o que era a palavra oncologia
dezassete anos e na caligrafia nenhures
talvez a tivessem amputado ao dicionário
e depois resolvessem imputá-la assim à bruta
nem o filho da puta do cancro eu conhecia
vem pela calada
e aluga-te uma parte do corpo
como um verme que rasteja derme
dentro
quando dás conta, o cabrão ri-se
como se fosses escravo dele
às vezes quando te apercebes
o cabrão é muitos nos teus órgãos
e ri-se ainda mais
como que a dizer-te adeus
às vezes é muitas vezes
e come-te à exaustão da carne
e apenas restas na comiseração das chagas
sobre a pele
e o filho da puta ri-se, ri-se ainda mais
e tu das duas uma
ou vais pra debaixo da terra e leva-lo contigo
ou ris-te com ele e de seguida enfias-lhe
uma bala entre os cornos.

Hélder Magalhães

o céu. e nada mais que as estrelas. que eram os teus olhos, a voar nos meus. o peito cheio a vestir-se de madrugada.
desce das dunas o cheiro a-mar. adormece na boca a palavra saudade, enquanto ficamos à espera que não seja tarde para acontecer.

[dizer-te] - trocamos sentimentos no lugar das palavras.   sem promessas feitas, a tornarem-se ocasos de lugares-comuns. o que nos damos está em todos os lugares, nos gestos, em todos os olhares, no encontrar dos corpos, na vida que sabe sempre acontecer. nestes regressos a nós.

human heart at the Mutter museum
come wander with me

há dias em que sou o alimento e o sumo doce da uva,
em que sei a largura dos ossos e a flexibilidade do arco.
às vezes, confundo a sombra dos objectos, a paisagem e os espelhos.
depois tento escrever sobre o pó e os símbolos que conheço e que não conheço.
há caligrafias internas e isso o que é (pergunto) e a noite e a metáfora e eu
apenas sei de vidros, da espuma nos talheres de que já te falei(...)
e pouco mais. há dias em que respiro muito pouco, sabes.
é apenas o músculo que separa o tempo
e entre as coisas está, às vezes, a alegria de tudo.

Susana Miguel