segunda-feira, 28 de maio de 2018

Bluebird

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pour whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.

there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?

Bukowski

domingo, 27 de maio de 2018

Não me interessa o que
dizem os dissidentes da ditadura.
Mas confesso que gostava dos chocolates Toblerone
que a minha tia me trazia no Natal.

Não acredito nos detidos políticos,
nem me impressionam os miúdos descalços
que mostram os dentes para as máquinas Minolta
dos turistas italianos.

Não vou pedir asilo.
Desconheço os avanços
ou retrocessos económicos do meu país.
Já falei de Drácula que chegue.
Já apanhei morangos na Andaluzia.
Já fui cigana, já fui puta.
Escusam de mo perguntar outra vez.

O que me preocupa – e isso, sim, pode ser relevante
para o fim da história – é saber
quando é que me transformei,
eu que era uma loba solitária,
neste caniche de apartamento que vos fala agora?

Golgona Anghel

sábado, 26 de maio de 2018

”Não há memória mais terrível do que a da pele. A cabeça pensa que esquece, o coração sente que passou, mas a pele arde, invulnerável ao tempo."

Inês Pedrosa

sexta-feira, 25 de maio de 2018

*um dia deixei que me roubasses a alma,
foi quando as minhas mãos aprenderam a te encontrar*

(25-5-2017)

quinta-feira, 24 de maio de 2018

despi devagar o calor de dizer o teu nome
no silêncio do quarto

o aconchego de se ainda voltasses
abre-se em palavras surdas

depois de improviso percorro a solidão
ao espelho

como se, ao olhar muito te visse
preso na pele dos dedos
inacabado e à deriva nos meus olhos


Maria Sousa

. Macrophage (red) engulfing tuberculosis bacteria (yellow)



O meu homem adormeceu há pouco. Está virado para o lado esquerdo, como sempre. É das coisas que mais gosto: vê-lo dormir. Assim como o menino do meu lado da cama, virado para a direita e eu ao centro. Eu sou o epicentro desta casa e tremo muito. Não estava preparada para ser centro de nada e ninguém depender de mim. Não me tinha apercebido de como era ser mãe porque nunca o tinha sido. Achei que tudo estava preparado no meu berço uterino. Que ia ser fácil criar laços e que as responsabilidades surgiam nas contracções de parir. Que a partir daquele instante da expulsão, iria conseguir superar todos os desafios. Afinal, todas as mães são super-mulheres e só isso importa. Sermos capazes de superar todas as expectativas e tornarmo-nos seres invencíveis dentro das nossas quatro paredes.
O pior, é por dentro. Não consigo ser mãe e mulher ao mesmo tempo. Ando desgastada à conta disto e também muito por culpa da cicatriz que ficou dentro, escondida. Algo morreu em mim durante o parto. A dor inerente ao processo deixou-me vincos no desejo. Enrugou-se tanto que de repente penso ter oitenta anos e um corpo a condizer. O espelho dói-me muito, mas segundo me disseram dói a todas as mulheres que parem.
A semana passada, tentou tocar-me no sofá, tal como fazíamos quando o Afonso era um projecto a desenvolver. Afastei-lhe a mão bruscamente e disse-lhe que agora não podia ser. Lembro-me de falar no menino a dormir e da mamada que teria de preparar a seguir. Mamas que dão leite não são para beijar ou aquecer. Sorriu também ele um pouco, talvez nervoso, talvez conformado com a minha pouca vontade dele. Emudeceu, foi para o quarto, jogando copas solitárias até às tantas e eu a jogar espadas contra o meu ventre por não me apetecer. Esperei pacientemente até o clique desaparecer e ser substituído por um leve assobiar respiratório.
Ando há demasiado tempo nisto de sentir que o meu corpo não é merecedor de beijos, mas apenas a sucção de filhos. Que o sinto é um facto e sei que um dia destes o vou ter de assumir. E sei também que o meu homem, que dorme sem questionar as minhas rejeições, irá ouvir o meu corpo com o ouvido encostado ao meu ventre ainda inchado e escutará o eco do meu útero a dizer-lhe: vem, estou à tua espera.

Marta Tavares