quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Minto-me. Sou um rasgo de impudor.
Represa vazia, muita água. Está
a começar a esquecer-me, diz-me
que o esqueça, que
esqueça todo o dia, o longo dia,
por isso penso: esquece.
Lenço rasgado, uma algibeira, uma gare
de comboios vários em que
alguém chora. Ainda bem
que não sou eu a que amontoa
gotículas de constituição salina na cara.
Eu esqueço.


Concha García


Somebody's Watching Me


Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não saberemos onde elas nos podem levar. Hibernam por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidas. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor dos sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas.

Agustina Bessa-Luís



É na total ausência de ti, que vejo o quanto te quero...


"Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia."

Sophia de Mello Breyner Andresen



Em espessura do feito infinito
em amor me feria dilatava

a boca era um leito um órgão de lava

Luíza Neto Jorge


sei que falar de ausência é chamar-te para o poema

para que sejas apenas uma silhueta recortada ao acaso na parede
prefiro uma descrição onde tudo é paisagem

e incluo árvores para assim te transformar
numa mancha que as folhas escondem
como um vazio preenchido pela sombra

maria sousa