domingo, 3 de dezembro de 2017

Para Sempre ❤


Até sempre, meu bom Zé Pedro


Morreu hoje um dos nossos maiores heróis, talvez aquele por quem tínhamos mais carinho e admiração. Porque ele foi sempre um de nós, e não uma pedante vedeta, morremos também nós um pouco. Sim, somos também Zé Pedro, ou, pelo menos, queremos sê-lo. Somos o seu sorriso aberto, onde aprendemos que rock’n’roll é também alegria de viver. Somos a sua voz de cana rachada em “Submissão”, que nos ensinou a dignidade que há em perder. Somos a sua guitarra ácida, o ingrediente mais agressivo da música dos Xutos, que um dia nos fez sentir rebeldes e crescidos, e hoje ternamente saudosos da nossa cândida irreverência. Somos a sua cara esburacada, crateras da lua de um céu que ele não, não era o único a olhar. Somos o tipo mais porreiro do bairro, o que paga as rodadas e que bebe por ele e por nós. Somos o vício dos discos, a eterna volúpia de descobrir os filhos dos filhos do rock. Somos as cassetes dos Xutos dos nossos irmãos, ouvidas vezes sem conta nos gravadores roufenhos dos ZX Spectrum da nossa infância. Somos o sotaque manhoso com que ele pronunciava na rádio as bandas que tanto amava e que nos fazia amar. Somos a generosidade quase infantil com que ele apoiava as sucessivas gerações do novo rock português. Somos a sua parca técnica na guitarra mas um sentido de ritmo de fazer inveja ao Malcolm Young (o bom diabo os tenha aos dois). Somos a autenticidade inegociável, o próprio espírito do rock.
No dia 4 deste mês, magro como um cão, frágil como um boneco de vidro, Zé Pedro insistiu em subir ao palco pela última vez. Na primeira meia-hora do concerto no Coliseu, como o grande herói que ele era, fez questão de se aguentar de pé. Depois, fisicamente esgotado, lá anuiu em se sentar, mas o sorriso manteve-se sempre escancarado, como quem se ri do próprio destino. Os fãs acarinharam pela última vez o seu Xutos favorito, gritando “Zé Pedro, Zé Pedro”, e foi nessa altura que o dique rebentou, e que chorámos de tristeza e alegria. Zé Pedro sacudiu o que era a nossa tristeza, e guardou no seu imenso coração a nossa alegria. Vinte e seis dias depois, morreu como sempre viveu, feliz.
Ergam escadas, partam muros. O nosso herói partiu.


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