segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

sempre à espera dos passos que se dão ( há uma hora a embalarem-se à minha volta)

[tu dentro, eu fora]

é o peso de escrever tudo o que é impulsividade e arrependimento.

[arrefecer por de dentro do tempo o que me segura]

puxo-te para dentro de mim. a noite olha-nos como se o mundo fosse todo o teu corpo. somos bordados esbatidos do passado. percorro-te a nudez e os cheiros, abraço-te no esvoaçar, luas plenas de palavras frágeis. sem medos se falamos do sussurro de cada voo.

[ não quero ter medo porque quando dou a volta completa, encaixo-me atrás e em ti]

reinventamos o amor, por lábios e línguas, nos labirintos onde dançam no eco que persiste. dou de nome futuro ao pensamento.

[o silêncio...]
[abafar gemidos...]

ainda não falo do amor a salvar a vida que se afoga. falo do futuro em cada gesto. coloco as palavras em bolsos fundos, de onde não voaria o coração.


[o que está perdido? - a dança de apenas um corpo a vestir-se num sorriso pleno de labirintos, o sorrido reinventado em fronteiras?]

abotoo ao corpo o desejo de reciclar - vacilo em respirar, nos caminhos da mistura dos dias, falhos de convulsão.

[ é o lavado da pele com o sangue, o vacilar na mistura dos regressos]

ressoa no útero a água que me engole - para me virar do avesso. o coração rente à linha do horizonte, entre manhãs e escuridão. a mediatriz intangível da minha boca  a procurar os teus lábios

adiar a imensidão dos dias
conter a raiva
a inevitabilidade do destino
passear dois tons acima da pele
a viagem espontânea nas canções perdidas
hipérbole descrita pela língua a conter a saliva

[estás preso e eu mais presa estou. _ dedos sobrepostos] - e existe toda uma vida para viver.








Lustre de material reciclado no Hotel Villa Augustus em Dordrecht, Holanda.


  • (Tide Chandelier de Stuart Haygarth)

domingo, 3 de dezembro de 2017

Para Sempre ❤


Até sempre, meu bom Zé Pedro


Morreu hoje um dos nossos maiores heróis, talvez aquele por quem tínhamos mais carinho e admiração. Porque ele foi sempre um de nós, e não uma pedante vedeta, morremos também nós um pouco. Sim, somos também Zé Pedro, ou, pelo menos, queremos sê-lo. Somos o seu sorriso aberto, onde aprendemos que rock’n’roll é também alegria de viver. Somos a sua voz de cana rachada em “Submissão”, que nos ensinou a dignidade que há em perder. Somos a sua guitarra ácida, o ingrediente mais agressivo da música dos Xutos, que um dia nos fez sentir rebeldes e crescidos, e hoje ternamente saudosos da nossa cândida irreverência. Somos a sua cara esburacada, crateras da lua de um céu que ele não, não era o único a olhar. Somos o tipo mais porreiro do bairro, o que paga as rodadas e que bebe por ele e por nós. Somos o vício dos discos, a eterna volúpia de descobrir os filhos dos filhos do rock. Somos as cassetes dos Xutos dos nossos irmãos, ouvidas vezes sem conta nos gravadores roufenhos dos ZX Spectrum da nossa infância. Somos o sotaque manhoso com que ele pronunciava na rádio as bandas que tanto amava e que nos fazia amar. Somos a generosidade quase infantil com que ele apoiava as sucessivas gerações do novo rock português. Somos a sua parca técnica na guitarra mas um sentido de ritmo de fazer inveja ao Malcolm Young (o bom diabo os tenha aos dois). Somos a autenticidade inegociável, o próprio espírito do rock.
No dia 4 deste mês, magro como um cão, frágil como um boneco de vidro, Zé Pedro insistiu em subir ao palco pela última vez. Na primeira meia-hora do concerto no Coliseu, como o grande herói que ele era, fez questão de se aguentar de pé. Depois, fisicamente esgotado, lá anuiu em se sentar, mas o sorriso manteve-se sempre escancarado, como quem se ri do próprio destino. Os fãs acarinharam pela última vez o seu Xutos favorito, gritando “Zé Pedro, Zé Pedro”, e foi nessa altura que o dique rebentou, e que chorámos de tristeza e alegria. Zé Pedro sacudiu o que era a nossa tristeza, e guardou no seu imenso coração a nossa alegria. Vinte e seis dias depois, morreu como sempre viveu, feliz.
Ergam escadas, partam muros. O nosso herói partiu.


Há coisas que nasceram para andar juntas. A noite e o luar. O amor e a saudade. A palavra e o silêncio. A direita e a esquerda. Fred Astaire e Ginger Rogers. A infância e a inconsciência. O rio e as margens. O vento e os moinhos. A tempestade e a bonança. A dúvida e a certeza. A pele e o arrepio. As cócegas e o riso. O sonho e o beliscão. A carta e o envelope. O dizer e o repetir. O princípio e o fim. A vida e a morte. E, sobretudo, SOBRETUDO, o sujeito e o predicado.

Por Elisabete Barbara, professora.
Leminsky ♥


[porque não me canso de dizer o quanto eu) gosto de ti]



Ontem fui ao Continente comprar um saco de ração para o meu cão. Na fila, uma mulher atrás de mim, perguntou se eu tinha um cão ... Olhei bem para ela (quem me conhece pode imaginar o meu olhar) e pensei: "porque eu estaria a comprar 18kg de ração se não tivesse um cão ?".
Por impulso, disse que não, não tinha um cão . Na verdade, eu estava a iniciar a dieta da ração novamente, pois da última vez havia perdido 10kg. Disse até que tinha ido parar ao hospital. Contei que a dieta era perfeita e simples: bastava encher os bolsos com ração e ir comendo sempre que sentisse fome. Todos da fila se interessaram pela minha história.
A rapariga, espantada, perguntou se a ração não estava a envenenar-me e era por isso que eu tinha ido parar ao hospital. Respondi tranquilamente: ÓBVIO que não! Isso aconteceu porque comecei a latir no portão e me acertaram com uma pedrada na cabeça!
Achei que o senhor atrás de nós ia ter um ataque cardíaco de tanto rir...