domingo, 17 de dezembro de 2017

a solidão e o silêncio - palavras que não te ancoram à realidade. a escreverem naufrágio nas decisões conjugadas. quando ainda há futuro em cada gesto, quando o coração sem verdade se encosta na expressão da noite - há as marés que nascem do teu olhar, das tuas mãos

{ que sabem a abraços }

e aquietam a pele.
sou daí, desse lugar estranho que é o amor, não mais e apenas um pressentimento do nosso desassossego

{da nossa cumplicidade que é uma mão que se enviesa no limite das palavras}

entre a saliva e o sangue há, de certeza, muitas viagens sofridas no interior da antecipação, de ter os afectos
o logro da inocência. o meu corpo e as palavras que dançam por entre silêncios e a solidão, e escrevem um sono que ambiciona o fim

{ somar à vida o sabor do futuro apalavrado }

e um dia, descobre-se algo dentro de nós, a verdade distorcida de quem somos - e dói - enquanto se suspende a respiração como se a vida já não nos pertencesse, como se o atalho mais curto para o destino se quebre, por fim, na possibilidade do regresso.
o coração, que se detém no que não acontece, quando te trago tão longe daqui.
o pulso, onde os dias se estrangulam em regressos.
as linhas das mãos, onde se escrevem as coisas por nomear.

{ se eu não tivesse essa mania irritante de que tudo pode ser mais simples, e de que o recomeço é o ensaio de coisas por nomear}






Pyramid Of Animals, by Katarzyna Kozyra





sábado, 16 de dezembro de 2017

escrever na minha pele, na vontade de gritar, as lágrimas que não devem ser faladas. trespassadas pelo sopro da memória. escrever as palavras presaps na minha nudez, ali para os lados da solidão

[tudo o que nos enrola o coração no corpo e se guarda em silêncio e no silêncio]

permanecemos assim, uns nos outros e no medo. o medo mascarado de pele onde escrevemos os nossos silêncios.






estou aqui a ser a tua ausência. pesas-me nos lábios como se nascesses de novo de uma metáfora antiga. as mãos abertas [as tuas, as minhas], para conseguir-te mais dentro do vento a atravessar a pele. 
é a água que sai do corpo e é um rio, é o teu nome, a memória e as horas no desapertar do abraço. 
dispo-me de ti numa língua que o meu corpo entende. apago a memória do agora, com as palavras a rasgar até ao osso. 
és o indicativo do verso que declino por dentro da pele, em fome e sede, no poema que nasce no céu da boca. do peito que fica cheio [é difícil o respirar] quando cravo os dedos [gastos], na escrita que irrompe voraz no teu corpo. 

escrevo a língua dos vocábulos, a sílaba do amor quando o verso cresce nas paredes do poema. para conseguir-te mais dentro - do poema.


sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

e tocar-te assim com vidro de permeio
beijar-te os cristais de açúcar que trazes presos nos olhos
pousa quando quiseres no meu para
peito
estarei sempre pronta para a fotografia


Sónia Oliveira


quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

é amargo o coração do poema que se escreve de desejo
ao cair da noite
tal como amargo é o sangue que nunca para de correr
nas mãos que desenharam caminhos nas veias
a minha mão esquerda, que em cima solta as estrelas 
por de dentro dos teus cabelos.
e, em baixo, a outra
a que se enlaçada na tua
(onde começa uma e acaba a outra?)

sinto a tua pele a fertilizar a escuridão 
feita de amargo. Amargo, amargo, o sangue,
do saber-te por perto a escrever-me o mundo todo.

(a respiração? como sempre, síncrona)

apenas 
flutuo










O Outono come a sua folha da minha mão: nós somos amigos.
Nós descascamos o tempo às nozes e ensina-mo-lo a andar:
o tempo retorna à casca.
No espelho é domingo,
no sonho dorme-se,
a boca fala a verdade.
O meu olhar desce até ao sexo da amada:
nós olha-mo -nos,
dizemos coisas obscuras,
ama-mo-nos como papoila e memória,
dormimos como o vinho nas conchas,
como o mar no clarão sangrento da lua.
Estamos abraçados à janela; eles olham-nos da estrada:
é tempo de saber!
Tempo para que a pedra resolva florescer,
para que um coração bata inquieto,
É tempo de ser tempo.
É tempo.

Paul Celan