quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Sempre acreditei que eram as palavras
que saíam da minha boca, e que só elas
podiam apaziguar a minha morte.
Hoje sei que da minha boca sai um fio
transparente e tenaz como uma insónia
que te amarrou à minha vida para sempre.

Amália Bautista
Quando amanhece penso:
Encontro-te no vento
virás abraçar-me como os ramos da árvore
e chegaremos ao coração da cidade

Ao meio-dia sei:
A distância do meu corpo ao teu grito
corresponde à do teu sopro ao meu ouvido -
eis a anatomia do silêncio

De tarde fico exausta:
Circulo pelas ruas e roço-me nas praças

À noite adormecemos:
Será que te lembras? será que me lembro?

Amanhã alegro-me de novo:
Imagino a floresta, parto o espelho
e recomeço a ir ao teu encontro.

Teresa Balté*


e na palma da tua mão
busco ternura
sem contar meses,
anos, dias,
sem saber dizer
se já te chorei
por inteiro
o suficiente
para não voltar
a perder-te

Vasco Gato
I want to fill my mouth with your name.

Pablo Neruda


longo é o caminho
em que disseco
o húmus do teu gesto.

eternizam-se
as
marés
do
teu
olhar



parada à tua frente, despi-me

[da minha pele à tua, dos dedos ao ventre]

a procurar-te os olhos
a procurar-te as mãos,
a respiração a comprometer a ausência.

somos feitos do vento que nos atravessa a pele , do que nos pesa no silêncio dos lábios.
na doçura de dentro da boca

[enquanto nos ancoramos um no outro]

sussurro: entra devagarinho, abraça-me e deixa-te ficar
dizes-me: somos feito de regressos
I exist in two places
here
and where you are

     Margaret Atwood