vantagens de se ser transparente
podemos andar nus que ninguém repara
não se perde tempo de manhã
não precisamos de espelhos
nunca nos vemos velhos
trazemos o coração à vista
e quem quiser notar nota
(se o nosso coração pára)
quem não quiser não nota
não ficamos mal nas fotografias
nem saímos mal na fotografia
podemos sair à francesa
podemos comer como abades
ser feios como as portas
ter as pernas tortas
e podemos ser mosca
menor propensão para a obes
idade mórbida
menor propensão para perder ch
aves
maior tolerância ao sol
maior tolerância ao álcool
e nada de ressacas
podemos pregar sustos e atravessar pa
redes
não temos de esconder os piretes
não guardamos não acumulamos não ocupamos
não sobramos nem soçobramos
abocanhamos o mundo
e sopramos a soprana existência sobre velas desenfunadas
em chama
Sónia Oliveira
(foto de Berlim, Dez 2017)
quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
não há previsão para um tempo a escrever-se lento. o sobressalto translúcido
da palavra medo. quando os dias desaguam no choro, exaustos de exaltação que me vem por não saber o que fazer disto.
devias estar aqui, rente à minha pele, a cabeça encostada no meu peito - a paixão do lado esquerdo. e com todas as forças que os nossos dedos conseguem. a inclinar os corpos para o voo rasante.
[tum-tum/tum-tum, o frémito cardíaco acelerado pelo teu sorriso]
viver a ternura na dimensão do poema. o tempo, o tempo a escrever-se lento, quando sou tudo e nada, quando o amanhã é o futuro onde estaremos mais próximos. quando me lanço na tua pele a saber das horas perdidas e da dor que significam pontos cardeais e azimutes.
não moro nas palavras que não sinto, quando tu vens a entrar no poema e eu passo o teu nome da minha boca para os meus olhos. quando dou a mão ao espaço que corre para nós.
contigo sou completa. sou céu e rio. sou o choro de todas as palavras que nos chegam fora do tempo. sou o tremor que nos invade o desejo, quando desapareces entre as linhas
[a boca a escorregar no silêncio. o coração a saltar no peito]
todos os lugares são demasiado longe de ti
a pele foi o tudo, pensou. e o nada - noite a olhar-me como se o mundo fosse o teu corpo - a ser palavras carregadas com o cheiro da memória. a desejar, a despir, a rasgar e amar, cheias de sexo, cheias de sangue.a pele gasta-se, tal como as palavras. deverá ser lambida, com a língua que sabe os caminhos que se desenham nas veias. os lábios unidos na carne suspensa na tua espera. os dias a estremecerem por de dentro da pele.e os corpos sabem onde se começam, sabem por onde começar. as mãos que se amarram a abraços , que se perdem no desejo, que se distraem com sorrisosas mãos, as mãos que lambem a pele, e que desenham as palavras que entram dentro de mim.
quarta-feira, 10 de janeiro de 2018
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