terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

a pele foi o tudo, pensou. e o nada - noite a olhar-me como se o mundo fosse o teu corpo - a ser palavras carregadas com o cheiro da memória.

[a desejar, a despir, a rasgar e amar, cheias de sexo, cheias de sangue.]

a pele gasta-se, tal como as palavras. deverá ser lambida, com a língua que sabe os caminhos que se desenham nas veias.

[os lábios unidos na carne suspensa na tua espera. os dias a estremecerem por de dentro da pele.]

e os corpos sabem onde se começam, sabem por onde começar. as mãos que se amarram a abraços , que se perdem no desejo, que se distraem com sorrisos.

as mãos, as mãos que lambem a pele, e que desenham as palavras que entram dentro de mim.

Kiss Kiss Bang Bang
Somos a carne de um fruto atordoado. Somos o dia aparatoso
nas escadas, depois navios ancorados carregados de bruma.
(...)
Quando tens frio, risco-me como fósforo na tua pele ondulada.
As tuas pernas afogam-se em poços de água, eu tenho os braços engessados numa parede violenta - porém beijamo-nos na boca lenta da madrugada.

O meu nome acordou povoado pelo teu nome.

Vasco Gato.

Saber o que és, dizer o teu corpo,
 ouvir-te num breve instante,
 dizer o que é amor sem o dizer,
 tirar de mim um poema que te cante;

 e ver passar-te por entre os dedos
 o fio de luz que prende os teus olhos,
 e vê-lo enrolar-se em segredos
 quando a tua voz o apaga e acende;

 tocar-te os lábios num fim de verso,
 ver-te hesitar entre sorriso e mágoa,
 perguntar se o teu rosto tem reverso,

 e ter nele uma transparência de água:
 é o que vejo em ti no cair de véu
 em que me dás a terra que vale o céu.

 Nuno Júdice

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Trazias no peito a ferrugem líquida dos relógios. Arrancava-te as horas como pregos. Depois ficávamos deitados a observar os animais brancos.

Não sabíamos nada. Não tínhamos nada.

Apenas soprávamos a cana da loucura — e tremíamos.

Vasco Gato



Your lungs fill & spread themselves,
wings of pink blood, and your bones
empty themselves and become hollow.
When you breathe in you’ll lift like a balloon
and your heart is light too & huge,
beating with pure joy, pure helium.
The sun’s white winds blow through you,
there’s nothing above you,
you see the earth now as an oval jewel,
radiant & seablue with love.
It’s only in dreams you can do this.
Waking, your heart is a shaken fist,
a fine dust clogs the air you breathe in;
the sun’s a hot copper weight pressing straight
down on the think pink rind of your skull.
It’s always the moment just before gunshot.
You try & try to rise but you cannot.

Margaret Atwood

sem te saber perguntar pela ausência,
descoses palavras
na melodia dum instante.
não te iria dizer que
me provocas tempestades que se entranham nas crateras da pele.