quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Lição de arquitectura: alguns espaços constroem-se mais pela memória do que pelo olhar, mais pela ausência do que pela presença, e assim e ali se sobrepõem todos os tempos. Para que não digam que não existem máquinas do tempo.

Pedro Jordão

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Advertências e conselhos do Doutor Van Helsing
contra a espécie predadora dos espelhos



Ninguém sabe quem fabrica estes vampiros em série.
De dia roubam-nos os olhares e os gestos.
De noite, escondem-nos o dia e não pedem resgate.
O tempo não passa por eles: eles são o Tempo.
Quando os teus espelhos tiverem fome dá-lhes de comer
o que te sobrar: uma ruga, uma olheira, um cansaço.
Nunca irão ficar saciados; vira-os contra a parede.
Às vezes, quando ninguém os vê, sofrem pesadas digestões
e então devolvem um bocado mais dos que engoliram.
De nada serve partir o seu reflexo: vão se multiplicar se os dividires.
A única maneira de matar um espelho é colocá-lo em frente a outro.
Ninguém sabe porquê, mas - ao reconhecerem-se - ficam cegos.

Jesus Jiménez Domínguez

In - There's Only One Alice



amor
dis
léxico
gráfico

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

a pele foi o tudo, pensou. e o nada - noite a olhar-me como se o mundo fosse o teu corpo - a ser palavras carregadas com o cheiro da memória.

[a desejar, a despir, a rasgar e amar, cheias de sexo, cheias de sangue.]

a pele gasta-se, tal como as palavras. deverá ser lambida, com a língua que sabe os caminhos que se desenham nas veias.

[os lábios unidos na carne suspensa na tua espera. os dias a estremecerem por de dentro da pele.]

e os corpos sabem onde se começam, sabem por onde começar. as mãos que se amarram a abraços , que se perdem no desejo, que se distraem com sorrisos.

as mãos, as mãos que lambem a pele, e que desenham as palavras que entram dentro de mim.

Kiss Kiss Bang Bang
Somos a carne de um fruto atordoado. Somos o dia aparatoso
nas escadas, depois navios ancorados carregados de bruma.
(...)
Quando tens frio, risco-me como fósforo na tua pele ondulada.
As tuas pernas afogam-se em poços de água, eu tenho os braços engessados numa parede violenta - porém beijamo-nos na boca lenta da madrugada.

O meu nome acordou povoado pelo teu nome.

Vasco Gato.

Saber o que és, dizer o teu corpo,
 ouvir-te num breve instante,
 dizer o que é amor sem o dizer,
 tirar de mim um poema que te cante;

 e ver passar-te por entre os dedos
 o fio de luz que prende os teus olhos,
 e vê-lo enrolar-se em segredos
 quando a tua voz o apaga e acende;

 tocar-te os lábios num fim de verso,
 ver-te hesitar entre sorriso e mágoa,
 perguntar se o teu rosto tem reverso,

 e ter nele uma transparência de água:
 é o que vejo em ti no cair de véu
 em que me dás a terra que vale o céu.

 Nuno Júdice