quinta-feira, 15 de março de 2018

a inventar palavras, a desculpar palavras


[como se fosse uma só]

recuar e avançar e recuar
derrubadas as certezas guardadas cá dentro
o mar é grande e não há só uma maré

é um partir sem realmente chegar ...

A arte de perder não é difícil de dominar;
há tanta coisa que parece conter em si a intenção
de vir a ser perdida que a sua perda não é desastre algum.

Perde qualquer coisa todos os dias. Aceita o nervosismo
pelas chaves perdidas, pelas horas mal gastas.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Depois experimenta perder mais longe, perder mais depressa:
lugares e nomes e o destino para onde tencionavas
viajar. Nada disso provocará desastre algum.

Eu perdi o relógio da minha mãe. E, vê bem, foram-se-me as últimas
ou as penúltimas casas que mais amei
A arte de perder não é difícil de dominar.

Perdi duas cidades, ambas cidades amadas. E alguns reinos
mais vastos que foram meus, dois rios, um continente.
Tenho saudades deles mas perdê-los não foi um desastre.

Mesmo perder-te (o tom de voz irónico, um gesto que
amo) é algo que não devo omitir. É evidente
que a arte de perder não é difícil de dominar
embora possa parecer (Escreve-o!) um desastre.

[poema de Elisabeth Bishop, tradução Carlos Vaz Marques]
o medo que o coração asfixie na avidez, das mãos, as tuas
a descobrirem-me no silêncio de vaguear de mim

[como silenciar o silêncio, como parar de doer]

e a tua cabeça que é sal aninhado no meu ombro
neste tempo que se repete
à procura do que falta. só.

[ser simples ]

e adormecer até a primavera chegar.

poderia dizer-te que quando chegas com a lua no peito, por dentro do coração rebenta uma anarquia rítmica. o sangue sacode-se em vocábulos e preenche-se no indizível do vazio com gestos de ternura.
poderia dizer-te que as mãos seguem pela água e pelos dias, percorrem o destino dos silêncios sem pressa na espera, sem horário de volta.
procuro-te a vontade lenta dos beijos ao longo da pele, no molhado das palavras quando me dizes que me amas.
és a brisa, o mar e o céu onde nascem poemas a soprar o meu lado esquerdo.

e eu sou este destino, com a boca a saber a noite.

queria dizer-te - e não o disse. com o olhar de quem sabe que o ontem é para lembrar com um sorriso, e para desejar na vontade. porque me cantaste doçuras da pele, sem pressas

[vou de encontro ao teu prazer. tu, vens de encontro ao meu]

dizer-te. com as palavras para lá das palavras. que a vida é cheia de escolhas e que a pele serve de céu ao coração.


Blood vessels of a real person who dedicated their body to science for display

http://thbexhibition.com/plastination.asp
o teu corpo
o teu sorriso
o meu corpo enroscado no teu sorriso
é a nudez coberta de memórias

[permitir que o destino nos encontre, nesta noite que me brilha nas mãos]

o meu corpo. frágil na ternura do amanhecer, imita as horas em que o vento se escreve na pele.

devagarinho esperei que surgisse um poema no planar das aves.

[é a brisa a escorregar por entre os dedos]

- todos os caminhos que vagueiam nas minhas mãos, são a imensidão do mar.

vou amar-te para sempre, disse, vou esperar que o amanhecer me devolva o exemplo das águas.

vou...
e
ser.


(15/04/2017)