sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

era uma vez um calor que se transbordou
um rio a correr dentro da minha casa,
o arrepio no corpo e na vida
súbito
o gesto, o grito
as ondulações que escorrem
em que te creio semente

era uma vez
quando te queria dizer desta certeza

e depois mil
de uma vez
há que manter o equilíbrio no tempo que percorremos, cheio de declives
onde a dor fica como marca de silêncio na respiração

[ fazer da memória e da ternura - imensas - porto de abrigo ]

preciso disto. de mãos que amarfanham o caos do meu lado esquerdo. do corpo dum poema a preto e branco.

[desfazem-se os beijos
em monossílabos inclinados de asas rasgadas]

é aí que morrem os dias.
em sonhos de voos rasantes
nas margens costuradas em pontos apertados
- os abraços -

e eu
só quero
ficar
perto
há um lugar em mim e um tempo onde a polpa dos meus dedos adquire a súbita tonalidade de silêncios. o tempo que fica entre o querer e o estender das mãos. o lugar em que se deixam cair em sonetos desconexos - as mãos, sem saber onde se esconder do prazer, nestes dias a parecer uma enorme sala no debruçar das horas.
de novo, para não ensaiar palavras, há o lugar dos meus dedos em ti - o tempo em que te digo que as mãos se merecem e os lábios se pertencem

[como os olhares],

o tempo por detrás das palavras e que se torna insuportável, os dias a adormecer em maré vazia.
e cada vez que digo: há um poema nas palavras que não se importaram em pensar-te aquando te espero. que escrevem o teu nome. há um poema nos labirintos traçados, devagar, sobre a pele. no desmembrar dos silêncio. nos olhos como margens do mar em que nos afogamos.

[são palavras que sopras entre as pálpebras?]

ainda há pouco dizia: a boca que deixas cair tão cheia de vento. que se despenha no meu peito. a boca onde me deposito, abandonada, como um pássaro de fogo.

[os dedos alinhados, o ar da tua boca quando te respirava]

queria ter dito: entre nós o tempo desenha-se assim, devagar. sem o nome da pressa. inverte-se o gesto do peito rasgado pela vida. paramos de falar, o ar a faltar... é o mar onde cabem todos os caminhos dos sonhos.
morro-me no grito quando as tuas mãos queimam o sangue, quando se passeiam em mim dessa maneira. sinto-o nas veias, o precipício do corpo urgente - pela carne e pelo peso.

[demora as mãos um pouco mais]

e é sempre a primeira vez que os gestos acontecem, a sul dos olhos que se descobrem.
sabes,
estremeces-me as palavras quando ritualizo no silêncio da boca, o alfabeto de quem mora do outro lado do amor; do amor

[timidamente]

entrelaçado por dentro das veias.,

tenho
tanto para o que não sabemos dizer, do que se escreve em cinza e no silêncio dum mar adentro da memória, em palavras que esvoaçam nas realidades frágeis.

amo-te
com o desassossego do que se respira no coração dos pássaros, entre a procura e a surpresa, onde me encontra quem me quer saber.

sabes,
dou-te de nome ao sonho, quando tudo o que eu quero é abrigar toda ternura

[escondida]

nas mãos sonâmbulas de te esperar.
às vezes não sei o que te dizer e fico com as palavras guardadas cá dentro. como se ao dizê-las fosse quebrá-las, roubar-lhes a grandiosidade. como se a minha noite permanecesse muito para além da escuridão, muito para além do dia, muito para além da vida.

às vezes há coisas que não digo, mas que nunca esqueço: a casa que são as tuas mãos e o teu corpo, a tua mão na minha mão, os teus olhos a chamarem-me, o teu sorriso a invadir-me. o teu abraço - sonho sempre com o teu abraço. e não me canso. do teu peito no meu peito a atear-me as cicatrizes. o meu peito a tatuar-se no teu.

perguntas em que é que penso e eu digo que penso em nada. faço do meu corpo um espaço de silêncio, como se o nada abarcasse o pensamento de quem ama. como se fosse maior do que o nada em que o mundo se torna. esta estranha raiz que cresce em direcção à tua ausência - não quero dizer. não quero dizer todas as imagens, ou todos os tons da tua voz que ainda não sei como escrever. não sei escrever as tuas mãos, não posso escrever as tuas mãos. não posso escrever o beijo. não sei escrever o abraço.

conseguirei estancar esta agonia que me faz sofrer constelações?

(tenho a vida intermitente do voo sob a palavra)
sei do tanto que tenho para te dizer, do debruçar no poema, na possibilidade da queda - escorregar pelos cabelos,

len
ta
men
te,

nos dias de veias ardidas.

são os caminhos solitários

[por dentro de mim],

 cada vez que te quero dizer que gostaria de te amar, no ousar dos corpos entrelaçados debaixo dos lençóis.

tenho esta dor que se escreve e me atravessa, nas arestas do tempo

[ a dor que fala, que por vezes grita]

, a fracção de desejo e saliva, a deixar reticências sobre a pele.
as promessas ritualizadas no país habitado pelo amor que se escreve cinza e silêncio.

[o corpo, no avesso das emoções.
o pensamento, na distância de asas abertas]

e o amor que sinto por ti, é a pele a voar mar adentro da memória
o amor, por que esperei, e que será meu para sempre