sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

"o que somos nos outros, é um pensamento que não se deixa aprisionar? é a história que não resiste ao calor? será sempre do tempo que vem a dúvida e de como aprender os silêncios,"

devagarinho esperei que o poema surgisse onde a memória fica

[procurou a mão dela com a sua e, deixou-a cair sobre a palma estendida - cerzida na pele com a coerência de estar cheia, assim de ti, sacudidas as conversas, com gestos de ternura]

olha aqui no meu bolso – mostrei-te – uma palavra, todos os meus sonhos. do teu peito no meu a atear-me as cicatrizes. do tempo que não deve ser forçado mas apenas desejado.


Dou-te o que não tenho – a história
de um rio exultante a explodir na boca em versão romântica,
poema sem trágicos sulcos ou fala completa. E tu, tu dás-me
o que sou: metáfora doendo-se alto onde acaba o texto.

Ana Marques Gastão


quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

cerro as mãos onde te guardo. os silêncios depois da ausência, as unhas cravadas. depois da dor, o alívio

[- a história que se ouve e se continua a ouvir e ouvir, até acreditarmos que passamos a fazer parte dela]

é o dia em hora cinza-prata, a impregnar-me dos segredos que envolvem o olhar. é o corpo que fica vazio, o medo que o invade em sossegos prolongados.

[é o coração que se encontra de costas]

quero dizer-te do ruído insaciável do corpo, dizer-te da devastação da pele. viver-te por entre o cheiro do tempo que tudo sabe e nada disse. até ao breve regresso, devolver o corpo à poesia nas horas em que estar feliz é uma ferida que só o sono acalma.

[respiro-te por entre as vozes]

as janelas escancaradas, por onde entra a vida
de
mansinho.
o corpo e a forma do poema. intenso como o desejo recortado na minha pele. este amor em forma liquida, na travessia do tempo onde se geram ritmos. os teus gestos, no meu corpo entrelaçados, a minha língua que se escreve na tua pele. é este amor táctil em que se libertam as imagens nos dedos

[memórias em modo repeat que me encerram as mãos]

este avesso das palavras na escuta das tuas mãos que desejam o côncavo do meu corpo. perco os olhos nestes movimentos de ida e volta, enquanto te sussurro nos poros da tua pele com o entardecer dos meus lábios

[o ventre, o meu ventre , a linha da anca onde mergulhas o quente das tuas mãos]

abracei-te no meu colo, onde me sinto pequenina à sombra dos meus cabelos. a fazer planos desencontrados na imaterialidade do momento.


consider the hands: não saber onde acaba o meu corpo e começa o teu
[somatognosia]
Há pouco vi, na rua, um homem a falar com o seu cão. Parecia convencido, o coitado, de que o animal o entendia. Quando cheguei a casa até contei ao meus gatos. Isso é que nós nos rimos....


O eu terminou e o mundo começou.
Tinham o mesmo tamanho,
comensuráveis,
um espelhava o outro.

Louise Glück